Há aproximadamente quatro anos atrás escrevi acerca deste assunto na edição de número 8 do Informativo do Legislativo Leonense. Naquele artigo defendi a tese que o nome do nosso município origina-se no fato que havia um capão (mato isolado no meio dos campos) que abrigava um leão. Não um leão africano com majestosa juba, provavelmente fugitivo de um circo. Porém uma espécie nativa do pampa: o leão-baio (Puma concolor), que entre outras denominações, também é chamado de onça-parda, suçuarana, cougar, puma ou leão-da-montanha. Aliás, tal espécie de felino ainda sobrevive no estado, nas regiões da Serra e do Planalto Médio, embora em menor número. Pode ser encontrado em todo o continente americano, do Canadá à Patagônia. À parte essas observações da fauna, acho necessário reforçar esta explicação e colocar alguns elementos justificadores.
Desde quando Capão do Leão é denominado assim? Início do século passado, final ou meados do século XIX? Bem, a citação mais antiga deste nome não é nem do Império, nem da República, porém da época em que o Brasil era colônia de Portugal. O documento que possui essa valiosa informação data de 1809 e se encontra no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Encontrei-o transcrito na obra Pelotas: Gênese e Desenvolvimento Urbano. 1780-1835, de Eduardo Arriada. O documento trata-se de um requerimento ao príncipe-regente português Dom João VI, então residente no Brasil, e pedia a instalação de uma capela (instauração de freguesia) no “lugar denominado Capão do Leão da fazenda de Pelotas”. Três anos depois, como é sabido, haveria a instauração de uma freguesia, só que nos campos de Pelotas.
Este pode ser um bom ponto de partida. A partir desta data pode deduzir-se que: se houve um leão-baio num capão, isto é anterior a 1809. Bem como se houve um leão africano foragido de uma companhia circense, isso ocorreu antes de 1809. Se por acaso, existiu um senhor de nome ou sobrenome Leão que possui um comércio na região, ele deve ter se fixado no local antes de 1809.
A Versão do “Leão do Circo” Pois bem, vamos desconsiderar a 1ª. hipótese, momentaneamente. O leão-baio não existiu, existiu um leão africano de formosa juba que desistiu da vida artística num circo de província e passou a habitar as bonitas matas à margem do arroio São Tomé. Daí surgiu o capão do leão. Peço licença, entretanto, para ponderar alguns fatos. Existiam circos aquela época? Nesta região? Espetáculos mambembes? Pois bem, sequer Pelotas existia como freguesia. Toda a região a oeste do canal São Gonçalo (isto é, além de Rio Grande) constituía-se de grandes propriedades rurais, sesmarias adquiridas após o Tratado de Santo Ildefonso (1777). E nada mais. Pensemos bem, àquela época lutava-se para se ter uma capela com um padre permanente por estas bandas. Imagine ver um circo por aqui. A propósito, segundo consta os primeiros circos do continente apareceram na América do Norte por volta de 1840.
Entretanto, a história do “leão do circo” não é de todo inverídica, porém, acredito decorrente da incorporação de um fato real ao imaginário da população. Num livro de memórias de um obscuro funcionário público encontrei uma importante indicação. Mário Carrestrini, em sua obra Memórias de um agente de alfândega, afirma ter estado em Pelotas “por volta de 1900”. Refere-se a lugares da cidade, pessoas que encontrou e narra que, certa vez, soube da existência de um circo em temporada no município. Resolveu ir até o circo para divertir-se, porém foi surpreendido, no meio do espetáculo, por uma espécie de blitz da polícia local. Ao que dá entender o dito circo estava irregular em Pelotas, por razão que ele não explica. Ele conclui adiante que os artistas do dito circo teriam se refugiado nos arredores da cidade, fugindo da ação das autoridades. O lugar seria a “villa de Capão de Leão”. Não tardou para que as autoridades fossem ao encalço do pessoal do circo, que foram obrigados a fugir novamente, desta vez em direção ao Uruguay. Entretanto, talvez por não conseguirem levá-los na fuga, soltaram vários animais da companhia circense no próprio local. No dizer do autor: “vários micos, um leão africano e um urso”. O leão e o urso, inclusive, teriam causado certa preocupação nos moradores da “villa de Capão de Leão”, atacando rebanhos de ovelhas de algumas propriedades rurais.
Contudo, este acontecimento pode induzir, falsamente, que “Capão do Leão” é como tal por causa disso. Ora, além do documento já citado datado de 1809, o nome “Capão do Leão” aparece inúmeras vezes no decorrer do século XIX em diversas fontes. Registros de viajantes, documentos eclesiásticos, contratos de venda, cartas da época farroupilha e, sobretudo, jornais. Adiante, a lei que eleva Capão do Leão à categoria de distrito de Pelotas foi promulgada em 1893 e com a denominação clara “distrito de Capão do Leão”.
A Versão do “Seu Leão”
Vejamos então a teoria que diz que Capão do Leão originou-se de um comércio, armazém ou venda próxima a um capão pertencente a um senhor, português ou açoriano, de nome ou sobrenome Leão. É uma explicação bem mais plausível, todavia, carente de provas. O primeiro passo é observar: existiu um Leão antes ou por volta de 1809 em Pelotas e seus arredores? Talvez, essa seja a chave da questão. Além de não encontrar-se nenhum registro de qualquer nome ou sobrenome Leão em qualquer documento referente aos primeiros proprietários de terra da região, considero pouco provável que, no início do século XIX, houvesse um armazém ou coisa parecida por essas bandas. A explicação presente, inúmeras vezes, é acrescida que o suposto local do armazém do Seu Leão, próximo a um capão, era ponto de parada e referência para tropeiros que vinham da Campanha trazendo gado vacum para as charqueadas pelotenses. Pois bem, naquela época a indústria de saladeiros em Pelotas ainda encontrava-se numa fase inicial. Neste momento, boa parte do gado é capturado nos arredores e muitas cabeças eram provenientes não da Campanha, mas dos campos rio-grandinos, como o Povo Novo e a Quinta. Além disso, as fronteiras sulinas ainda eram constante foco de disputas entre portugueses e espanhóis. Uma situação nada propícia para um fluxo constante e normal de gado na direção Oeste-Leste. Não obstante, o comércio era realizado preferencialmente em Rio Grande – vila marítima, detentora de um porto que lhe dava acesso aos produtos de outras regiões brasileiras.
Mais uma vez, atento ao fato que tal versão não é de todo falsa, porém também resultado de uma deformação da memória ao longo do tempo. Digo que houve, de fato, uma espécie de hospedaria ou taberna que era referência no Capão do Leão. Referência do lugar! Mas não a raiz do nome da localidade.
Alberto Coelho da Cunha, figura ímpar da intelectualidade pelotense e gaúcha do século XIX, deixou uma série de opúsculos manuscritos, hoje guardados no Centro de Documentação e Obras Valiosas da Biblioteca Pública Pelotense. Um deles, provavelmente datado da década de 1920, é História dos Distritos de Pelotas e possui informações valiosíssimas sobre o Capão do Leão. Da conta, entre outras coisas, que a área correspondente à vila Teodósio seria resultado de um loteamento feito por Domingos Fernandes da Rocha, no fim do século XIX. Este senhor teria adquirido aquele terreno, anteriormente de um tal de Florentino A. dos Santos, que possuía no local “taverna com hospedaria e potreiro amnexo”, destinado a atender “viandantes e tropeiros que vinham da Campanha”. O aludido Florentino A. dos Santos aparece numa lista eleitoral do ano de 1877, publicada no jornal “Diário de Pelotas” de março daquele ano. Pois bem, as listas eleitorais da época do Império, continham dados dos eleitores como: idade, estado civil, ocupação profissional, alfabetização, filiação, local de residência, renda e se era elegível ou não. Sobre este personagem histórico, soube-se que seu nome do meio é Antonio, era casado e sabia ler e escrever, além de não possuir uma renda significativa. Entretanto, o mais notável é que no campo ocupação profissional, o Sr. Florentino aparece como estalajadeiro e com residência em Capão do Leão. O único nos arredores numa lista de aproximadamente 400 pessoas. Num esforço lógico poderia deduzir-se que o Sr. Florentino poderia ostentar o apelido “Leão”, talvez. Só que seria estranho não incorpora-lo ao próprio nome, algo muito comum naquela época, à semelhança do nosso atual presidente da República. Além do que, o Sr. Florentino Antonio dos Santos nascera em 1837, bem depois dos primeiros registros do nome “Capão do Leão”.
A Versão do “Leão-Baio” Após verificar-se a natureza das explicações anteriores, cumpre legitimar a tese de que o “capão” não é do “Seu Leão” ou do “leão do circo”, mas sim do leão-baio. Fernando Osório, eminente historiador pelotense, em seu livro A Cidade de Pelotas, diz que “o tigre, o leão, o tamanduá-bandeira, aqui já existiram”. Osório não se equivocou em afirmar que o “tigre” e o “leão” já habitaram na zona sul do estado. Devemos compreender que ele não se referia a felinos africanos ou asiáticos, porém às espécies nativas: a onça-pintada (o mesmo tigre) e a onça-parda, suçuarana ou leão-baio (o tal leão aludido). Estas denominações eram comumente usadas por viajantes e tropeiros nas épocas colonial e imperial. Principalmente, nas planícies de campinas, várzeas e pequenas coxilhas, ou mesmo nas serras mais elevadas, o ataque desses felinos de grande porte era uma ameaça constante às comitivas, seja aos homens ou ao gado. E fundamentalmente, nesta região ao oeste da Laguna dos Patos e da Lagoa Mirim, a onça-pintada e o leão-baio eram abundantes. Em 1703, por exemplo, Domingos Filguera, português que parte da Colônia do Sacramento (no atual Uruguay) até Laguna(SC) e estabelece a primeira ligação terrestre no extremo-sul do Brasil, opta por construir este itinerário pelo litoral e não pelo interior, o chamado “Caminho da Praia”. Domingos Filguera ao descrever o roteiro percorrido, argumenta que prefere o litoral, por encontrar as terras mais ao interior infestadas de onças. Outro dado importante citado por Eduardo Arriada, no já mencionado livro, indica que na época das primeiras charqueadas pelotenses, isso no começo do século XIX, um dos principais problemas enfrentados pelos charqueadores não era nem a fuga de escravos, nem o abigeato, porém o ataque de onças aos rebanhos em invernada. Ameaça que forçava aqueles fazendeiros a elegerem peões de suas estâncias à exclusiva tarefa de “caçar tigres e leões”.
Há exemplos toponímicos próximos como os municípios de Canguçú e Jaguarão. Canguçú provém do tupi “akã-guaçu”, que literalmente quer dizer “cabeça-grande” – forma a qual os índios referiam-se à onça-pintada. Jaguarão provém do tupi yaguar que designa também a onça-pintada ou jaguar. Fortunamente, pergunto: que animal aparece representado nos brasões destes dois municípios?
No Rio Grande do Sul, existem outras localidades que remetem a presença de felinos: Boqueirão do Leão, Minas do Leão, Arroio do Tigre, Toca da Tigra (Caçapava do Sul), Jaguari, etc.
Pelas razões expostas, creio que o nome Capão do Leão originou-se do fato de aqui existir um leão-baio (puma) encontrado próximo a um capão. Duas pessoas idosas do município, uma do interior, outra da cidade, expuseram-me esta versão sem saberem que estava pesquisando sobre a origem do nome. É lógico que a hipótese que ora apresento parte de conjecturas sobre os primórdios da região. E como pode-se notar as outras duas versões não são, de modo algum, resultado da imaginação gratuita, porém provenientes de certos fatos.
O que acredito, fundamentalmente, é que as brumas do passado ainda terão muito a revelar sobre a história de Capão do Leão. Um dado ímpar sobre a nossa gente, é que pouquíssimas famílias são moradoras há gerações contínuas no Capão do Leão. Na época da Companhia Francesa, acredito que mais da metade da população era gente de fora, que aqui veio trabalhar. Emigrantes e imigrantes foram personagens constantes nestas paragens. Por isso, de certo modo, a memória histórica circulou entre a população de maneira fragmentada, parcial, incompleta. A vila Teodósio, por exemplo, era muito mais uma área de veranistas pelotenses, com um população permanente diminuta, em tempos idos.
Um outro exemplo que utilizo pode ser encontrado na área da Pedreira da Empem. A meio-caminho entre o topo daquele cerro e os galpões da Pedreira, encontra-se um obelisco de granito de cerca de dois a dois metros e meio de altura, instalado sobre uma rocha, cercado de algum mato ao seu redor. Pois bem, segundo relatos afirma-se que o tal marco de pedra, que muitos talvez não conheçam, é um monumento em honra aos feitos da Revolução Farroupilha. Outros já argumentam que o obelisco fora construído em razão da vitória brasileira na Guerra do Paraguay. Entretanto, essas indicações provêm da tradição popular. O obelisco, na verdade, é um monumento que lembra o fim da I Guerra Mundial e data de 1919. Há um obelisco menor na Praça João Gomes que o imita e marca o fim da II Guerra Mundial. Não quero invalidar o saber popular, porém atentar que, embora importantíssimo, ele é capaz de apresentar informações distorcidas, não mentirosas. Vejamos bem, os relatos eram coesos no que tange ao fato de ser o obelisco um monumento de guerra. O que se perdeu foi qual guerra ele se refere. Tal como as histórias do circo e da estalagem ou armazém não são completamente destituídas de sentido. Porém não são, no meu entender, nenhuma delas, a razão pela qual Capão do Leão passou a se chamar Capão do Leão.
Desde quando Capão do Leão é denominado assim? Início do século passado, final ou meados do século XIX? Bem, a citação mais antiga deste nome não é nem do Império, nem da República, porém da época em que o Brasil era colônia de Portugal. O documento que possui essa valiosa informação data de 1809 e se encontra no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Encontrei-o transcrito na obra Pelotas: Gênese e Desenvolvimento Urbano. 1780-1835, de Eduardo Arriada. O documento trata-se de um requerimento ao príncipe-regente português Dom João VI, então residente no Brasil, e pedia a instalação de uma capela (instauração de freguesia) no “lugar denominado Capão do Leão da fazenda de Pelotas”. Três anos depois, como é sabido, haveria a instauração de uma freguesia, só que nos campos de Pelotas.
Este pode ser um bom ponto de partida. A partir desta data pode deduzir-se que: se houve um leão-baio num capão, isto é anterior a 1809. Bem como se houve um leão africano foragido de uma companhia circense, isso ocorreu antes de 1809. Se por acaso, existiu um senhor de nome ou sobrenome Leão que possui um comércio na região, ele deve ter se fixado no local antes de 1809.
A Versão do “Leão do Circo” Pois bem, vamos desconsiderar a 1ª. hipótese, momentaneamente. O leão-baio não existiu, existiu um leão africano de formosa juba que desistiu da vida artística num circo de província e passou a habitar as bonitas matas à margem do arroio São Tomé. Daí surgiu o capão do leão. Peço licença, entretanto, para ponderar alguns fatos. Existiam circos aquela época? Nesta região? Espetáculos mambembes? Pois bem, sequer Pelotas existia como freguesia. Toda a região a oeste do canal São Gonçalo (isto é, além de Rio Grande) constituía-se de grandes propriedades rurais, sesmarias adquiridas após o Tratado de Santo Ildefonso (1777). E nada mais. Pensemos bem, àquela época lutava-se para se ter uma capela com um padre permanente por estas bandas. Imagine ver um circo por aqui. A propósito, segundo consta os primeiros circos do continente apareceram na América do Norte por volta de 1840.
Entretanto, a história do “leão do circo” não é de todo inverídica, porém, acredito decorrente da incorporação de um fato real ao imaginário da população. Num livro de memórias de um obscuro funcionário público encontrei uma importante indicação. Mário Carrestrini, em sua obra Memórias de um agente de alfândega, afirma ter estado em Pelotas “por volta de 1900”. Refere-se a lugares da cidade, pessoas que encontrou e narra que, certa vez, soube da existência de um circo em temporada no município. Resolveu ir até o circo para divertir-se, porém foi surpreendido, no meio do espetáculo, por uma espécie de blitz da polícia local. Ao que dá entender o dito circo estava irregular em Pelotas, por razão que ele não explica. Ele conclui adiante que os artistas do dito circo teriam se refugiado nos arredores da cidade, fugindo da ação das autoridades. O lugar seria a “villa de Capão de Leão”. Não tardou para que as autoridades fossem ao encalço do pessoal do circo, que foram obrigados a fugir novamente, desta vez em direção ao Uruguay. Entretanto, talvez por não conseguirem levá-los na fuga, soltaram vários animais da companhia circense no próprio local. No dizer do autor: “vários micos, um leão africano e um urso”. O leão e o urso, inclusive, teriam causado certa preocupação nos moradores da “villa de Capão de Leão”, atacando rebanhos de ovelhas de algumas propriedades rurais.
Contudo, este acontecimento pode induzir, falsamente, que “Capão do Leão” é como tal por causa disso. Ora, além do documento já citado datado de 1809, o nome “Capão do Leão” aparece inúmeras vezes no decorrer do século XIX em diversas fontes. Registros de viajantes, documentos eclesiásticos, contratos de venda, cartas da época farroupilha e, sobretudo, jornais. Adiante, a lei que eleva Capão do Leão à categoria de distrito de Pelotas foi promulgada em 1893 e com a denominação clara “distrito de Capão do Leão”.
A Versão do “Seu Leão”
Vejamos então a teoria que diz que Capão do Leão originou-se de um comércio, armazém ou venda próxima a um capão pertencente a um senhor, português ou açoriano, de nome ou sobrenome Leão. É uma explicação bem mais plausível, todavia, carente de provas. O primeiro passo é observar: existiu um Leão antes ou por volta de 1809 em Pelotas e seus arredores? Talvez, essa seja a chave da questão. Além de não encontrar-se nenhum registro de qualquer nome ou sobrenome Leão em qualquer documento referente aos primeiros proprietários de terra da região, considero pouco provável que, no início do século XIX, houvesse um armazém ou coisa parecida por essas bandas. A explicação presente, inúmeras vezes, é acrescida que o suposto local do armazém do Seu Leão, próximo a um capão, era ponto de parada e referência para tropeiros que vinham da Campanha trazendo gado vacum para as charqueadas pelotenses. Pois bem, naquela época a indústria de saladeiros em Pelotas ainda encontrava-se numa fase inicial. Neste momento, boa parte do gado é capturado nos arredores e muitas cabeças eram provenientes não da Campanha, mas dos campos rio-grandinos, como o Povo Novo e a Quinta. Além disso, as fronteiras sulinas ainda eram constante foco de disputas entre portugueses e espanhóis. Uma situação nada propícia para um fluxo constante e normal de gado na direção Oeste-Leste. Não obstante, o comércio era realizado preferencialmente em Rio Grande – vila marítima, detentora de um porto que lhe dava acesso aos produtos de outras regiões brasileiras.
Mais uma vez, atento ao fato que tal versão não é de todo falsa, porém também resultado de uma deformação da memória ao longo do tempo. Digo que houve, de fato, uma espécie de hospedaria ou taberna que era referência no Capão do Leão. Referência do lugar! Mas não a raiz do nome da localidade.
Alberto Coelho da Cunha, figura ímpar da intelectualidade pelotense e gaúcha do século XIX, deixou uma série de opúsculos manuscritos, hoje guardados no Centro de Documentação e Obras Valiosas da Biblioteca Pública Pelotense. Um deles, provavelmente datado da década de 1920, é História dos Distritos de Pelotas e possui informações valiosíssimas sobre o Capão do Leão. Da conta, entre outras coisas, que a área correspondente à vila Teodósio seria resultado de um loteamento feito por Domingos Fernandes da Rocha, no fim do século XIX. Este senhor teria adquirido aquele terreno, anteriormente de um tal de Florentino A. dos Santos, que possuía no local “taverna com hospedaria e potreiro amnexo”, destinado a atender “viandantes e tropeiros que vinham da Campanha”. O aludido Florentino A. dos Santos aparece numa lista eleitoral do ano de 1877, publicada no jornal “Diário de Pelotas” de março daquele ano. Pois bem, as listas eleitorais da época do Império, continham dados dos eleitores como: idade, estado civil, ocupação profissional, alfabetização, filiação, local de residência, renda e se era elegível ou não. Sobre este personagem histórico, soube-se que seu nome do meio é Antonio, era casado e sabia ler e escrever, além de não possuir uma renda significativa. Entretanto, o mais notável é que no campo ocupação profissional, o Sr. Florentino aparece como estalajadeiro e com residência em Capão do Leão. O único nos arredores numa lista de aproximadamente 400 pessoas. Num esforço lógico poderia deduzir-se que o Sr. Florentino poderia ostentar o apelido “Leão”, talvez. Só que seria estranho não incorpora-lo ao próprio nome, algo muito comum naquela época, à semelhança do nosso atual presidente da República. Além do que, o Sr. Florentino Antonio dos Santos nascera em 1837, bem depois dos primeiros registros do nome “Capão do Leão”.
A Versão do “Leão-Baio” Após verificar-se a natureza das explicações anteriores, cumpre legitimar a tese de que o “capão” não é do “Seu Leão” ou do “leão do circo”, mas sim do leão-baio. Fernando Osório, eminente historiador pelotense, em seu livro A Cidade de Pelotas, diz que “o tigre, o leão, o tamanduá-bandeira, aqui já existiram”. Osório não se equivocou em afirmar que o “tigre” e o “leão” já habitaram na zona sul do estado. Devemos compreender que ele não se referia a felinos africanos ou asiáticos, porém às espécies nativas: a onça-pintada (o mesmo tigre) e a onça-parda, suçuarana ou leão-baio (o tal leão aludido). Estas denominações eram comumente usadas por viajantes e tropeiros nas épocas colonial e imperial. Principalmente, nas planícies de campinas, várzeas e pequenas coxilhas, ou mesmo nas serras mais elevadas, o ataque desses felinos de grande porte era uma ameaça constante às comitivas, seja aos homens ou ao gado. E fundamentalmente, nesta região ao oeste da Laguna dos Patos e da Lagoa Mirim, a onça-pintada e o leão-baio eram abundantes. Em 1703, por exemplo, Domingos Filguera, português que parte da Colônia do Sacramento (no atual Uruguay) até Laguna(SC) e estabelece a primeira ligação terrestre no extremo-sul do Brasil, opta por construir este itinerário pelo litoral e não pelo interior, o chamado “Caminho da Praia”. Domingos Filguera ao descrever o roteiro percorrido, argumenta que prefere o litoral, por encontrar as terras mais ao interior infestadas de onças. Outro dado importante citado por Eduardo Arriada, no já mencionado livro, indica que na época das primeiras charqueadas pelotenses, isso no começo do século XIX, um dos principais problemas enfrentados pelos charqueadores não era nem a fuga de escravos, nem o abigeato, porém o ataque de onças aos rebanhos em invernada. Ameaça que forçava aqueles fazendeiros a elegerem peões de suas estâncias à exclusiva tarefa de “caçar tigres e leões”.
Há exemplos toponímicos próximos como os municípios de Canguçú e Jaguarão. Canguçú provém do tupi “akã-guaçu”, que literalmente quer dizer “cabeça-grande” – forma a qual os índios referiam-se à onça-pintada. Jaguarão provém do tupi yaguar que designa também a onça-pintada ou jaguar. Fortunamente, pergunto: que animal aparece representado nos brasões destes dois municípios?
No Rio Grande do Sul, existem outras localidades que remetem a presença de felinos: Boqueirão do Leão, Minas do Leão, Arroio do Tigre, Toca da Tigra (Caçapava do Sul), Jaguari, etc.
Pelas razões expostas, creio que o nome Capão do Leão originou-se do fato de aqui existir um leão-baio (puma) encontrado próximo a um capão. Duas pessoas idosas do município, uma do interior, outra da cidade, expuseram-me esta versão sem saberem que estava pesquisando sobre a origem do nome. É lógico que a hipótese que ora apresento parte de conjecturas sobre os primórdios da região. E como pode-se notar as outras duas versões não são, de modo algum, resultado da imaginação gratuita, porém provenientes de certos fatos.
O que acredito, fundamentalmente, é que as brumas do passado ainda terão muito a revelar sobre a história de Capão do Leão. Um dado ímpar sobre a nossa gente, é que pouquíssimas famílias são moradoras há gerações contínuas no Capão do Leão. Na época da Companhia Francesa, acredito que mais da metade da população era gente de fora, que aqui veio trabalhar. Emigrantes e imigrantes foram personagens constantes nestas paragens. Por isso, de certo modo, a memória histórica circulou entre a população de maneira fragmentada, parcial, incompleta. A vila Teodósio, por exemplo, era muito mais uma área de veranistas pelotenses, com um população permanente diminuta, em tempos idos.
Um outro exemplo que utilizo pode ser encontrado na área da Pedreira da Empem. A meio-caminho entre o topo daquele cerro e os galpões da Pedreira, encontra-se um obelisco de granito de cerca de dois a dois metros e meio de altura, instalado sobre uma rocha, cercado de algum mato ao seu redor. Pois bem, segundo relatos afirma-se que o tal marco de pedra, que muitos talvez não conheçam, é um monumento em honra aos feitos da Revolução Farroupilha. Outros já argumentam que o obelisco fora construído em razão da vitória brasileira na Guerra do Paraguay. Entretanto, essas indicações provêm da tradição popular. O obelisco, na verdade, é um monumento que lembra o fim da I Guerra Mundial e data de 1919. Há um obelisco menor na Praça João Gomes que o imita e marca o fim da II Guerra Mundial. Não quero invalidar o saber popular, porém atentar que, embora importantíssimo, ele é capaz de apresentar informações distorcidas, não mentirosas. Vejamos bem, os relatos eram coesos no que tange ao fato de ser o obelisco um monumento de guerra. O que se perdeu foi qual guerra ele se refere. Tal como as histórias do circo e da estalagem ou armazém não são completamente destituídas de sentido. Porém não são, no meu entender, nenhuma delas, a razão pela qual Capão do Leão passou a se chamar Capão do Leão.
Texto que estará sendo publicado nas próximas semanas no jornal Tradição, dividido em quatro partes e assinado por mim. (Joaquim Dias)
Prof. Joaquim. O texto é magnífico. Parabéns!
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