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quarta-feira, 23 de agosto de 2006

Histórias Horripilantes I


No tempo em que não haviam cercas que separavam as estâncias, diz-se, que no interior do município havia um peão que era trabalhador de uma delas.
Criado a campo, o dito peão era um dos homens de confiança do patrão, álias, grande pecuarista da região. Estava prestes, este peão, a tornar-se capataz da estância, pois o antigo estava muito velho e sofria com um câncer na garganta, agonizando na cama da bolanta. Entretanto, o peão Juvêncio (vamos chamá-lo assim!) era conhecido tanto por sua competência quanto por sua crueldade para com os animais. Era violento com cavalos, bois, galinhas, cães, o que viesse pela frente. Esse lado negativo seu nutria histórias que contavam que ele era capaz de torcer o pescoço de galinhas com uma mão só e quebrar os cascos das tartarugas-tigres com pedras enormes, só por prazer sádico. Embora o patrão soubesse disso, advertia-o com timidez, pois sabia que ele, para o serviço, era homem de confiança.
Foi então, uma vez, que o patrão comprou seis vacas de um outro estancieiro lindeiro da fazenda. Pediu ao Juvêncio para buscá-las, o que o peão prontamente atendeu. Juvêncio não achou necessário montar o flete, pois como a distância não era muita, poderia ir a pé. Era um dia quente de verão, o tempo "armado" para chuva. Juvêncio saiu por volta das cinco da tarde e já pegou certo pingo grosso no caminho, atravessando um arroio não muito largo, mas que costumeiramente inundava. Chegou na estância do outro estancieiro e disse que iria pegar as vacas. Os gaudérios que ali estavam aconselharam Juvêncio a ficar, pois a tormenta se avizinhava e, pelo caminho de volta, ele teria que passar pelo passo do arroio, que poderia estar cheio e não dar possibilidade de translado. Juvêncio respondeu que não, que não era do seu feitio descumprir ordem do patrão e que iria levar as vacas, pois esperava chegar antes que escurecesse na estância. Os gaudérios não fizeram muita questão de contrariá-lo e ele se foi, tocando as vacas. Entretanto, é aí que começa a parte trágica da história.
No meio do caminho, antes de cruzar o arroio, a chuva veio tipo tempestade de verão. Os animais começaram a empacar buscando abrigo numa tapera velha que estava por perto. O Juvêncio louco com aquilo, cobria as pobres vacas com relhaço e mais relhaço, buscando fazer com que seguissem caminho. O Juvêncio batia com toda a força, machucava, torturava. A muito custo chegaram o Juvêncio e as vacas à beira do arroio. Só que agora o arroio mais parecia um rio bravio do que um simples riachinho. A correnteza era forte, pois ainda chovia muito. Os animais não quiseram cruzar o arroio - instinto natural. O Juvêncio bateu mais ainda nas vacas e diz-se que, no seu esforço quase esquizofrênico, entrou numa mistura de raiva e desespero. De tanto bater com um relho (que tinha pequenas esferas metálicas afiadas na ponta, extremamente cortantes) nos animais fez os bichos sangrarem. (A lenda conta ainda que ele teria "pelado" as vacas de tanto bater). O fato é que os animais foram definhando, a noite adentrou, e o Juvêncio na sanha louca de cruzar o arroio a qualquer preço. Chuva, chuva e chuva. Quando o Juvêncio já estava por cansar de tanto bater, um dos animais, com o rosto colorido de sangue, num instinto de defesa, avançou sobre Juvêncio e deu-lhe uma chifrada certeira nas costelas, que abriu-lhe tremenda ferida. Juvêncio caiu no chão e bateu a cabeça, ficando desacordado. Horas depois, já não estaria neste mundo.
No outro dia, o patrão de Juvêncio acordou com o dia já firme. Não procurou Juvêncio. Deduziu que com a chuvarada, ele teria ficado na outra estância. Foi fazer seu serviço e esperou até o meio-dia para falar com Juvêncio. Só que Juvêncio não apareceu. O patrão já praguejou e foi ver o que tinha acontecido. Chegando à estância do homem que tinha lhe vendido as vacas, perguntou pelo peão desaparecido. Lá disseram-lhe que Juvêncio tinha arriscado e saído com o temporal. O patrão não pensou o pior e achou que Juvêncio pudesse ter se abrigado no caminho. Só que caiu a tarde e Juvêncio não veio. No outro dia, o patrão fez a busca pelo desaparecido com mais alguns peões e encontrou um corpo a alguns metros do arroio. Era Juvêncio, estirado no caminho, escondido pelo mato. Tinha morrido de febre em razão do ferimento. As vacas foram encontradas logo adiante, também mortas, duas ainda agonizando. Estavam feridas, algumas com membros quebrados.
Diz-se que Juvêncio não teve descanso por suas maldades contra os animais. Próximo ao arroio Itaita, nas noites de chuva, dizem alguns que, nas coxilhas, avista-se uma figura tocando seis vacas não se sabe para onde. Há uma espécie de fosforescência em torno daquele conjunto e se alguém chega perto o homem e as vacas somem diante dos próprios olhos. Os mais velhos são taxativos: triste fado de alguém que, quando em vida, não teve compaixão nenhuma pelas criaturas da estância.

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