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terça-feira, 4 de março de 2025

Jogo de Bola-de-Gude



GUERRA PEIXE

O jogo de bola-de-gude parece ser um divertimento infantil muito generalizado em todo o Brasil. Pelo menos em Pernambuco pode-se dizer que é praticado pela gurizada patrícia - embora naquele Estado do Nordeste eu não tivesse a feliz lembrança de observar as suas características. Como a cirandinha, a amarelinha, o papagaio e o balão, o jogo de bola-de-gude é um brinquedo dos mais vulgarizados entre nós. E não há garoto brasileiro que não tenha feito as suas briguinhas na rua por sua causa. Nem há homem que não tenha feito as suas briguinhas na rua por sua causa. Nem há homem que não se preze de, em moleque, ter sido um dos fervorosos adeptos do delicioso joguinho.

Em Petrópolis, Estado do Rio, o divertimento denomina-se, como em algumas regiões, jogo de bola-de-gude. Participam do brinquedo quanto meninos queiram, inclusive jogando de parceria, isto é, os adversários se intercalando, cada um com uma bola de vidro. O jogo é realizado tendo por campo o chão de terra, sobre o qual se fez um único orifício denominado búlica. Será corruptela de "bula", no sentido de "habilitação"? Possivelmente, pois só depois de conseguir atingi-la é que o jogador fica apto, com movimentos mais livres, para atacar o adversário. Após entrar na búlica é que, realmente, tem início o jogo. Nenhum participante pode matar a bola do companheiro sem que antes alcance a búlica. A uma distância estabelecida da búlica - geralmente cinco metros - ficam os garotos. A preferência é jogar por último, pois se o primeiro participante conseguir boa posição, dificilmente alcançável pelos adversários, estes não jogarão suas bolas em direção do orifício. Antes, preferirão arreá-las onde eles se encontram, a cinco metros da búlica. E aquele que terá que procurar matar uma ou mais bolas dos concorrentes partindo dessa distância. Mas o primeiro pode achar conveniente não se afastar do orifício, onde forçosamente as bolas dos companheiros poderão se colocar por perto, numa jogado mal feita ou de azar. Nestas condições não será difícil para o primeiro jogador matar as bolas dos amigos - ainda mais que as matanças sucessivas, se as posições o favorecerem, poderão fazer com que as distâncias demasiadas ou perigosas, de umas bolas em relação às outras, sejam eliminadas. A cada falha de lance o jogador colocado mais próximo à búlica tem ocasião de preparar o seu jogo.

Acrescente-se que matar uma bola é vê-la deslocada do seu lugar, pelo contacto proposital da bola jogada por quem tem a vez de atirá-la. Isto é, o jogador tem de, com a sua própria bola, mover a bola do companheiro. A palavra tem o mesmo sentido em São Paulo e Pernambuco. Matar mais de uma bola em um só lance - naturalmente, quando há mais de duas bolas em jogo - é considerado erro.

Marráio parece ser corruptela de "marralho", do verbo "marralhar", que significa insistir. Ou melhor, o jogador "marralha", insiste em ser o último a jogar, em direção da Búlica. "Marralho", ou "eu marralho" dever-se-ia dizer. O termo Marráio é também vulgarizado em Barra Mansa, Estado do Rio.

"Cabide" possivelmente seja deformação de "cabida", no sentido de aceitação. O jogador pedir ao companheiro ou aos companheiros para ler "cabida" e solicitar que o deixem jogar depois do "último" e do "marraio"...

O jogo realizado entre companheiros leais é feito com bolas de tamanhos e pesos iguais ou aproximados. Quando realizados por criaturas pouco leais, tem sempre bolas de tamanhos e pesos diferentes. Todavia, os pesos e os volumes nem sempre são produtos da má fé, dependendo, mesmo, das bolas que cada um possui como propriedade. A bola muito apreciada em Petrópolis é aquela feita do caroço do coco-de-catarro, o caroço da macaíba (Acocomia sclerocarp, Mart.), também conhecida por macaúba, macajá e bocaiúva. A bola é pequena e leve. É mais difícil de ser atingida pela bola do adversário, por ser minúscula, e como é leve oferece facilidade para ser atirada à grande distância. Isto é, favorece a técnica e os numerosos truques... Há uma espécie de bola de vidro, de tamanho médio, colorida e que muito agrada os jogadores: é a bola que possui três ou mais cores diferentes, formando desenhos diversos em forma ondulada, Essa bola, tão apreciada, tem o curioso nome de "Olho-de-boi".

Fonte: A GAZETA (São Paulo/SP), 04 de Outubro de 1961, pág. 06