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domingo, 13 de outubro de 2024

A cabeça da jiboia

 



A cabeça da jiboia para atrair mulher

(Crendice ouvida no Amazonas e Pará)

ALBERTO CANELAS FILHO

A jiboia (Constrictor constrictor), grande serpente espalhada de São Paulo para cima, e muito abundante no Norte, é um reptil que na Amazonia é estimado. Os especimes de 6 metros não são muito raros e falam que já encontraram destes ofidios de 8 metros de comprimento. A jiboia como a sucuri, não possui veneno, mata a vitima enrolando-se-lhe no corpo e moendo-lhe os ossos, para depois degluti-la.

Chega a engulir animais do tamanho da jaguatirica e não ataca o homem. É lerda, habita na floresta, e durante o dia, quase só descança ou dorme. O povo diz que o seu "bafo" produz feridas terríveis, e tambem que quando este reptil fica velho, atingindo proporções enormes, ele passa a viver quase que somente na agua.

A respeito da jiboia, na Amazonia há diversas lendas interessantes. Aliás, sobre cobra há muita crença, pois ela representa a perfídia e a traição. O fato da Bíblia contar o caso de Adão e Eva, motivado pela serpente, os povos com religião fundamentada nesse livro, têm todas as cobras, mesmo as não venenosas, como a maldade personificada. Mas respeitam-nas porém, devido a astucia e poderes sobrenaturais que lhes atribuem, como tambem repelem-nas pela sua forma horripilante. Todos nós sabemos, que a grande fealdade causa admiração, respeito e medo.

Contaram-me no Amazonas e Pará, que a jiboia fica de emboscada na florestas; passando ainda que longe, um animal de vulto medio ou mesmo o homem, sente uma força que o atrai para um determinado ponto, tenta ir embora, mas qual, fica meio desnorteado até ir parar direitinho onde a cobra está. Tambem me contaram, que para se atrair mulher, basta levar no bolso uma cabeça embalsamada de jiboia. É tiro e queda, mulher daí sobra...Liguei uma crença à outra: nas duas há o fascínio da jiboia. A forma falica do reptil, talvez tenha induzido o caboclo a formular e aceitar a segunda crendice. Coibido pelo sentimento de pudor e pelos preconceitos morais, religiosos e sociais - que se orientam pelo super égo - de mostrar-se nas partes pudicas às mulheres, então o inconsciente do homem simples da mata, ou mesmo da cidade, fez esse impulso se exteriorizar transformado.

Como toda cobra pelo seu olhar fixo e aspecto repugnante, causa terror, principalmente as grandes, a vítima fica apalermada de medo, como se estivesse magnetizada, provindo disto que a jiboia atrai a presa mesmo de longe. A primeira crença se entrosa na segunda, que procuramos explicar pelo fenomeno psicanalítico da transferencia.

Vi um amansador de jiboia no cais de Belem do Pará; domesticava em pouco tempo, os filhotes já grandinhos (com cerca de 1,5 m) para vende-los depois, É costume no Norte todo, usarem este ofídio nas casa, para a exterminação de ratos, prestando assim um bom serviço ao homem. Apesar da jiboia ser muito mansa, quando ela vai atingindo seus 4 metros, soltam-na no mato. Lá perto do famoso "Ver-o-Peso", vendiam cabeças preparadas de filhotes de jiboia, (sendo menores são mais faceis de se carrega-las no bolso) para quem quisesse se por à "D. Juan". O caboclo e o morador inculto e mediocremente culto da cidade, acreditam nessas crendices.

Conheci um pratico dos rios Madeira e Amazonas, que me mostrou uma cabeça de jiboia, que ele trazia consigo e que dizia lhe dar muita sorte com o belo sexo; pois, se não me engano, já era casado quatro vezes...

Fonte: O PAULISTA (São Paulo/SP), 03 de Março de 1959, pág. 06