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sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

O Natal de Olinda em 1840

 


VARIEDADE

O Santo Presepio do Menino Deos

Esta parece ser huma folgança endemica do nosso Pernambuco. Em se aproximando o Natal, surgem de todas as partes os Presepios, sendo a Cidade de Olinda o lugar mais abundante deste genero. Ali ha Presepios de Pastorinhas, de Pastoronas, e até de machacazes conhecidos por pastorões. Começão em a Noite de Natal, e repetem-se todas as noite até o dia de Reis, depois do qual entra por seu turno o acto de queimar as palhinhas de cada Presepio, o que constitue nova folgança As Pastorinhas, Pastoronas, e Pastorões cantão diversas endexas, dansão em cadencia, e repetem suas loas em honra, e louvor de Jesus Christo recem nascido. Muitas vezes no Presepio de meninas de 14, 15 annos apparece huma pastorona já de idade canonica, que dirige o baile, e he huma especie de abelha mestra do cortiço.

Para taes Presepios affluem os maganos, como moscas para hum prato de mel: e ali ferrão-se pertinazes namoros, ali apparecem os requebros de parte a parte, ali se domesticão, e amanção algumas ovelhinhas para o sacrificio, etc. etc. tudo em honra, applauso, e devoção do Deos Menino. Ali os fervorosos devotos estão como embevecidos na contemplação da piedade, e sancto fervor, com que as louçãs pastorinhas saracoteão as ancas, e se reboleão com tanta devoção, que parecem espiritadas! Nestes Presepios há sempre no cabo da festança arrematação de fructas, e flores, que o ornavão. Então picão-se os lanços, e nem he maravilha ver hum dos devotos espectadores dar por hum cravo, v. g., ao 14, 16 mil reis para com elle brindar a Pastorinha, que traz de olho, e lhe rouba as attenções etc. E como ha de a pastorinha Chiquinha resistir ao Sr. Manezinho, se elle se estreia para com ella com tanta generosidade. D'aqui facil he concluir, que ella virá tambem a estrear-se com elle em seus obsequios pelo antigo adagio, que diz - huma mão lava a outra.

Nos Presepios apparecem versos de todo o feitio, de todo o tamanho, de toda a qualidade, e as Pastorinhas dirigem ao Deos Menino finezas, e donaires tão profanos, que só a grande "innocencia" de todas ellas os pode cohonestar, e desculpar. A fé, dizem ellas, he que salva a gente. Não ha muitos dias, que em certo Presepio huma das Pastorinhas repetio ao Menino Deos a seguinte lôa, ou cousa, que o valha: e vai fielmente copiada do proprio original para que vejão os meus Illustres Leitores, e me digão a que genero, ou especie de Poesia pertence esta galantaria. Lá vai.

Estou morta, estou assustada

Grande gloria se produz,

Vejo na lapa tanta luz,

Estou bastante alvoroçada. (apoiado)

Vejo mulheres assentadas,

Homens por alli assim,

Hum boi comendo capim,

Huma ovelha a berrar, 

Huma burrinha a pastar,

Hum gallo posto a cantar,

Huma gallinha a pinicar.

Quem está no meio? Hum Benjamin.

Quem me dera tão bom fim

Quizerão Nosso Senhor, que vós fosseis hum Serafim,

Com o mesmo resplandou

Por isso o gallo diz cô cô rô cô.

Olhe como he bonitinho!

Meu Deos, que perfeito olhinhos,

A bocca parece hum cravo,

Resplandou de candura.

Parece hum doce favo:

todo o mundo diga bravo Viva;

viva o tal portento.

Quem diremos que viva?

O Divino Nascimento;

que he cheio de gentileza no seu nobre coração.

Pastoras, elle ha aquella "certeza",

elle he o nosso "graxão".

Fonte: DIARIO DE PERNAMBUCO (Recife/PE), 21 de Fevereiro de 1840, pág. 03, col. 02-03