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sábado, 22 de abril de 2023

A procedência étnica dos escravizados no Rio de Janeiro do século XIX

 



Em comparação com esses termos gerais que apontavam para um continente inteiro, os viajantes oferecem pistas mais específicas para a identificação dos africanos no Rio. Em alguns casos, registraram os nomes exatos dos grupos étnicos, tais como os libolos de Angola, mas, em geral, repetiam apenas os nomes usados no Rio para as nações ou portos africanos que ouviam de seus informantes cariocas. São úteis, porém, porque apontam a existência de alguns grupos étnicos específicos e identificam como os cariocas percebiam esses grupos antes de 1850.

Embora os estrangeiros que registraram as origens africanas no Rio estivessem muitas vezes enganados, alguns eram bastante precisos. Carl Seidler escreveu que a maioria dos escravos do Rio vinha de Cabinda, Congo, Benguela e Moçambique, ao passo que Armitage foi mais completo. A esses quatro grupos acrescentou os angolas, caçanjes, quilimanes, inhambanes e uma nota dizendo que no grupo cabinda estava incluindo as "várias tribos" dos congos até Angola. Schlichthorst, porém, omitiu cabinda, benguela, quilimane e inhambane de sua lista de congo, angola, cachange (caçanje), moçambique e mombaça. Listas ainda mais abrangentes aparecem em um relato francês e em um outro alemão. Segundo o viajante francês Dabadie, as principais nações do Rio eram mina, cabinda, congo, angola, moange, benguela, mozambique, mucena (sena), quilimane e inhambane. De particular interesse é a importância que ele atribui às nações da África Oriental, incluindo a região de Rio de Sena de Moçambique. Além desses grupos, mas excluindo moange, mucena e moçambique, o alemão Weech listou os anjicos, monjolas, gabãos, capundas, rebolas, mombassas e cajenges.

Por fim, o historiador Melo Morais Filho reproduziu uma tradição da cidade do Rio pela qual sete nações compareciam à coroação de um rei ou rainha africana. Embora não incluísse os cabindas, registrou as sete nações como sendo de minas, congo, cassanges, cabundás, rebolos, benguelas e moçambiques.

Tendo em vista que esses nomes eram tão comuns no século XIX, não é surpresa alguma descobri-los preservados na Umbanda, uma religião afro-brasileira moderna. Ao agrupar os orixás na sétima linha, ou africana, os umbandistas dividem esses espíritos em sete grupos, cada um com seu chefe: Povo da Costa, Congo, Angola, Benguela, Moçambique, Loanda e Guiné. Em outras palavras, os nomes das nações do século XIX tornaram-se agora nomes de falanges de espíritos.

Fonte: KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). (trad. Pedro Maia Soares). São Paulo: Companhia das Letras, 2000, pág. 43-44.