PHENOMENO CELESTE
A população noctivago d'esta cidade, os que procuram os theatros e outras casas de diversões para repouso do espirito durante algumas horas, os que passeaam, buscando um refrigerio na noite fresca que fazia, foram hontem, eram 10 1/2 horas, subitamente surprehendidos por um facto que por entendidos foi a princípio explicado como sendo um phenomeno celeste, commum nos paizes da zona torrida.
Áquella hora, as ruas estavam immersas n'essa meia-sombra que a fraquissima luz do gaz d'estes ultimos dias substitue muito discretamente pela illuminação publica a que a companhia por contracto se compromettera. Pouco mais - ou pouco menos, quem sabe? - de um palmo se avistava diante do nariz, e os noctambulos caminhavam pelos trevos e vias, levados por esse poderoso instincto que guia os cegos por toda a parte e ampara os myopes atravez da escuridão.
Repentinamente, como n'um deslumbramento provindo de uma scena feerica, de uma mutação de magica, um grande clarão abrio-se lá no alto da abobada celeste, rasgando as nuvens e projectando sobre a terra uma luz vivissima, que illuminou a cidade como um poderoso fóco electrico collocado nas alturas. As ruas, subitamente illuminadas, pareciam refulgir brilhos de prata em suas calçadas; os transeuntes pasmos, boquiabertos, sentiam a claridade ferir-lhes intensamente os olhos, algumas pessoas não puderam conter exclamações e gritos de surpresa, quasi angustia, vendo-se senhoras desmaiarem e cahirem no lagedo, temerosas de se haver dado algum horrendo cataclysmo, quando vozes imprudentes se faziam ouvir n'um brado de medo:
- Olha a catastrophe da Martinica!
Os animaes que tiravam os bonds disparavam em insofreavel galope, parecendo que os vehiculos voavam; o povo corria desvairado, os botequins e outros estabelecimentos commerciaes, ainda a essa hora abertos, fechavam ruidosamente as suas portas e gritos desesperados, pedindo soccorro, se faziam ouvir de toda a parte.
O clarão vivissimo quanto attingio ao seu apogeu, dava á cidade o aspecto de pleno dia - mas um dia mais claro do que os do sol a pino no verão, um dia fulgurante, brilhando de uma luz que maltratava a retina, que offuscava, deslumbrando...
O phenomeno durou seguramente 18 minutos, que pareceram uma eternidade... Depois, a claridade intensa foi quebrando, diminuindo, suavisando-se até que, algumas pessoas mais ousadas; tendo voltado os olhos para o céo, conseguiram vel-o todo salpicado de pontos luminosos, que faiscavam intermittentemente, indo aos poucos extinguindo-se a luz que d'elles emanava, luz sucessivamente encarnada, amarella, azul, verde e branca, até morrer n'um rápido brilho final.
A principio, cavalheiros lidos em sciencia, membros do Instituto, funccionarios do Observatorio Astronomico, professores da Escola Polytechnica quizeram explicar o phenomeno como uma revolução atmospherica originada de um desprendimento extraordinario de electricidade nas altas camadas. Depois verificou-se que eram as TOCHAS DE NERO, que pela primeira vez illuminavam a cidade do Rio de Janeiro com a projecção vivissima de seus raios fortemente luminosos.
Fonte: A NOTICIA (Rio de Janeiro/RJ), 12 e 13 de Junho de 1902, pág. 02, col. 02