No tempo em que "os campos ainda eram abertos e não havia entre eles nem divisas e nem cercas", nasceu a única lenda "genuinamente rio-grandense" - a história de um menino escravo sacrificado por ter perdido uma tropilha de cavalos de seu patrão.
Açoitado até a morte, o negrinho foi colocado sobre um formigueiro no campo. "A tradição do Negrinho do Pastoreio é nascida no estrume da escravidão", atesta Augusto Meyer, que identificou a versão mais antiga da lenda, de autoria de Javier Freyre e publicada no almanaque El Pasatiempo, de Montevidéu, em 1890.
O causo já havia sido mencionado numa novela de Apolinário Porto Alegre, mas foi o uruguaio Javier Freyre que, além de publicar pela primeira vez uma versão completa, acrescentou detalhes sobre o surgimento da lenda, com base num fato real, ocorrido "allá por los años 1784", na propriedade de "um rico estancieiro português", em terras da Banda Oriental ("en el departamento de Paisandu", precisa o autor). Mais tarde, o mesmo Apolinário Porto Alegre publicou uma versão inteira com o título Crioulinho do Pastoreio. O mesmo fizeram o historiador Alfredo Varela (em 1897), o folclorista Cezimbra Jaques e o escritor Simões Lopes Neto, que compôs a versão mais conhecida em 1906, afirmando tê-la recolhido de uma negra velha na região de Pelotas.
Há pequenas variantes em cada versão: Apolinário menciona a "sinhá moça", filha do estancieiro, "meiga criatura" que defendia o negrinho. Simões Lopes coloca o filho "raivoso e mau" que enxota a tropilha e precipita o castigo. Os elementos básicos - o latifundiário, o gado, o cavalo, o escravo, o Pampa - estão em todas as versões. Um século depois, o Negrinho do Pastoreio já estava consagrado pela tradição oral, simbolizando o regime pastoril na sua formação e já impregnado de religiosidade, atribuindo-se ao negrinho a capacidade de ajudar pessoas com objetos perdidos, desde que lhe oferecessem um toco de vela.
Fonte: COSTA, Elmar Bones da (editor). História ilustrada do Rio Grande do Sul. Porto Alegre/RS: Zero Hora/CEEE/Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 1998, pág. 96.