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sexta-feira, 17 de junho de 2022

I Festival Punk Brasileiro

 



O som e a fúria dos punks sobrevivem em São Paulo

Entre gritos e pancadarias, eles lançam um manifesto original

Uma grossa pancadaria que grupos rivais se encarregaram de armar em São Paulo, no I Festival Punk Brasileiro, em 27 e 28 de novembro, evidenciou a sobrevivência, em nosso país - com um saldo de 25 presos e a antecipação do fim do festival -, desse movimento nascido em Londres.

Blusão preto de couro, jeans desbotados, medalhas e correntes pelo corpo, argolas penduradas no nariz e alfinetes enfiados nas bochechas, esses jovens importam da Inglaterra, com muitos anos de atraso, o que naquele país surgiu como reflexo de inquietações de garotos suburbanos e como a negação do rock instrumental e comercial de estúdio. Era também a negação dos valores sociais estabelecidos (daí o culto ao feio, ao agressivo e ao monstruoso), do movimento hippie, das regras do jogo. Sabiam o que não queriam, mas não sabiam bem o que queriam. Na Inglaterra, a inovação deu origem a inúmeras bandas - os Sex Pistols, The Clash, The Jam, Buzzcocks, The Suburban Bolts, The Damned. Espalhou-se pela Europa - dizem que já chegou até à União Soviética - e parece que na Alemanha encontrou sua diva Nina Hagen, cujos shows estão sempre lotados.

No Brasil, seu ponto de concentração é o conjunto Grandes Galerias, na Avenida São João, em São Paulo, para onde convergem nos fins de semana os punks tupiniquins - também eles vindo de bairros periféricos ou da Grande São Paulo. Viajam de ônibus, quase nunca andam de carro, têm empregos mal remunerados, alguns são casados e têm filhos. Divulgaram um manifesto: "Nós, os punks, estamos movimentando a periferia que foi traída e esquecida pelo estrelismo dos astros da MPB. Nos nossos shows de punk rock todos dançam; dançam a dança da guerra, um hino de revolta da classe menos privilegiada. Nossos astros da MPB estão cada vez mais velhos e cansados. Estamos aqui para revolucionar a música popular brasileira para dizer a verdade sem disfarces: para pintar de negro a Asa Branca, atrasar o Trem das Onze, pisar sobre as flores de Geraldo Vandré e fazer da Amélia uma mulher qualquer."

A propósito de dança, dançar à punk é socar o ar, dar pontapés a esmo, gritar, suar sob as pesadas e quentes jaquetas pretas. É renegar os Rolling Stones, a new wave, o new romantic, ter horror a Roberto Carlos. Os grupos que os brasileiros formaram têm nomes estranhos como sua aparência: Dose Brutal, Psycose, Ulster, Juízo Final, Fogo Cruzado, Inocente, Cólera, M-19, Ratos de Porão, Decadência Social, Olho Seco, Estado de Coma, e outras pérolas.

Para o festival, reuniram-se todos no SESC, do pacato bairro de classe média da Pompéia, causando apreensão em muita gente ante o aspecto feroz das ruidosas tribos. Só que, nas esquinas próximas ao teatro, grupos hostis começaram a rosnar e acabou rebentando a briga pelo direito de ser mais punk.

Brigas à parte, os punks estão pelas ruas paulistanas. Há um livro do dramaturgo e jornalista Antônio Bivar tentando explicar o movimento. Há dois discos independentes e com uma qualidade de som muito ruim, sintetizando os espetáculos esparsos que acontecem pela cidade: Lixomania e Grito Suburbano. Publicam uns folhetos mimeografados, divulgando as idéias e as letras de músicas punk. Declaram-se pacifistas, ao mesmo tempo em que afirmam que com paz e amor não se muda nada. Mas é bem provável que a maioria desconheça completamente os ideais do movimento e que não tenha a menor idéia de que o emblema que quase todos ostentam - um grande A fechado num círculo - é o símbolo da anarquia.

Ricardo F. Soares

Fonte: MANCHETE (Rio de Janeiro/RJ), edição 1600, 18 de Dezembro de 1982, pág. 150