S. PAULO
8 de Abril
S. Paulo é uma cidade immunda, o que a impede de ser uma bella cidade, que prospéra a olhos vistos e que tem um céu idéal a rivalisar com o decantado céu italiano e uns crepusculos deliciosos, que deixam a gente extatica e boquiaberta.
São uma verdadeira maravilha os crespusculos de S. Paulo. Eu sentir-me-hia orgulhoso, se conseguisse descrever aqui fielmente o que hoje contemplei, com os poetas Luiz Murat e Xavier da Silveira, de uma das janellas do Grande Hotel; sentir-me-hia orgulhoso, porque teria reproduzido um dos mais grandiosos e bellos quadros da natureza, que se tem deparado aos meus olhos!
Mas nem eu emprehendo semelhante descripção, mesmo porque não é dos crepusculos e sim da immundicie de S. Paulo que eu desejo fallar.
S. Paulo, repito, é uma terra immunda. Fôsse o seu clima menos benefico e fósse mais densa a sua população, que uma empreza funeraria seria aqui o melhor dos negocios.
Se não temos epidemias, se as febres não fazem victimas todos os dias, não é porque se lhes opponha a hygiene.
Hygiene é uma palavra sem applicação n'esta capital.
"Aqui, diz o Diario Mercantil de hoje, encontra-se inteira liberdade para que qualquer cidadão, pouco escrupuloso pelo bem estar da saude propria e do publico, faça da rua, dos largos, do quintal do predio em que reside, um ponto apropriado á accumulação de materias em decomposição, pouco se importando com que d'esse seu acto resultem incommodos e perigos para as pessoas que alli passam ou têm a desgraça de visinhar com o seu deploravel capricho."
É a verdade, a triste verdade.
Vale-nos o urubú, esse fiscal honorario e gratuito da municipalidade, como lhe chama o referido jornal.
Se o supprimissem, ai de nós!
Recentemente foi creada uma junta de hygiene, e foram nomeados os respectivos funccionarios, que são remunerados.
Até hoje, porém, nenhuma providencia de alcance derivou de tal repartição.
As ruas continuam n'um estado deploravel, os despejos fazem-se livremente, os monturos permanecem, sente-se por toda a parte um máu cheiro, que obriga a gente a levar constantemente a mão ao nariz.
É uma das maiores necessidades de S. Paulo a adopção de medidas energicas, que ponham termo a esta falta de asseio e limpeza.
Fonte: GAZETA DE NOTICIAS (Rio de Janeiro/RJ), 10 de Abril de 1886, pág. 01, col. 08