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sábado, 5 de março de 2022

Um grandioso funeral em Pelotas

 



ENTERRO DE UMA RAINHA NO RIO GRANDE DO SUL

Em Pelotas morreu a rainha dos bohemios alli acompanhados.

Este facto não causou abalo ao cambio; mas, em compensação attrahiu para cima de oitocentas pessoas, pouco mais ou menos, avidas, de saber como se chamava a rainha, de que tinha fallecido, qual o medico que a tratou, como iria vestida, que tal seria o enterro, etc.

No meio de um sem numero de lamentações e lagrimas que cruciavam o coração, elevou-se uma capella ardente, em que foi collocado o real corpo, vestido da seguinte fórma:

Uma tunica de seda côr de rosa, primorosamente bordada de filagranna de prata, uns calções do mesmo tecido e côr, golpeado de fôfos de filó branco, botas de marroquim encarnado e turbante, de gaze: tudo muito bem combinado.

Era espectaculo digno de respeito o que apresentava o acampamento; mulheres, homens e crianças com a cabeça descoberta entoavam preces em voz lacrimosa, implorando o descanso eterno de sua rainha e pranteando magoados o passamento de sua chefe, porque ha a notar uma circumstancia a fallecida, era a progenitora da tribu, de sorte que, esta não chorava só a morte de sua rainha, mas tambem a de uma mãe, avó, sogra, etc., etc.

As crianças, coitadinhas, esgazeavam os olhos, espantados, ante aquelle espectaculo nova para ellas.

O marido e filhos da finada conservavam-se de joelhos com os olhos fitos no céo horas inteiras, transparecendo-lhes nas faces os signaes da mais acerba dôr.

No domingo, de manhã, pelas 8 horas, grande era o concurso de povo, a pé, em carros, a cavallo, commentado o acontecimento das fórmas mais extravagantes possiveis e aguardando impaciente o desfilar do prestito.

De instante a instante fazia-se ouvir o som lugubre dos funeraes que tocava a banda de musica União, que, já na vespera, tinha concorrido para a solemnidade do acto.

Ás 10 horas chegaram dous sacerdotes, revestidos de seus habitos e dispensaram ao corpo da finada os ultimos sacramentos.

Por esta occasião, imponente era o silencio da multidão, cortado, unicamente, pelas chalaças de algum idiota que se julgava nas corridas de touros, ou de alguma alma depravada e impia que, fazendo apparato de seus máos sentimentos, atirava á face da morte, alguma estridula gargalhada de escarneo.

Depois da encommendação sahiu o caixão, cujas argolas seguravam os principaes da tribu, seguindo-se grande acompanhamento de carros e povo a pé.

Ao chegar á ponte de Santa Barbara depositaram o caixão no carro funebre de 1a. classe, sendo estes seguido da referida banda de musica e curiosos.

O cadaver foi dado á sepultura em terreno comprado pelos beduinos, que tiveram o trabalho de mural-o e preparal-o mui decentemente.

Fonte: CORREIO PAULISTANO (São Paulo/SP), 25 de Março de 1883, pág. 02, col. 01-02