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sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Quando o Papai Noel chegou ao Brasil?

 

Papá Noel na revista "O Malho"  do Rio de Janeiro em 1903

Antecipando que esse é um pequeno e modesto ensaio, com base em algumas fontes históricas disponíveis na internet, procurando delimitar uma época para a chegada da figura do Papai Noel no Brasil e seu uso tradicional e comercial nas comemorações natalinas.

A primeira menção que encontramos está na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, no dia 09 de fevereiro de 1881, num artigo que identifica o Father Christmas inglês ou Santa Claus estadunidense e o traduz como Papá Natal. Pois bem, o Papá Natal é descrito com ar bonachão e amável, tal qual os dias de hoje, bem como sua hora e dia de visita às crianças é à meia-noite do dia 25 de dezembro. Descrito como ancião, com uma enorme barba branca e trajando vermelho, sua roupa, entretanto, é apresentada como roupas de frade o que lhe confere um capuz. Aprecia uma boa taça de prata cheia de hydromel quente. Contudo, a tradição do Father Christmas/Papá Natal é colocado como típica de algumas famílias anglófonas (sejam elas inglesas, irlandesas ou estadunidenses), completamente desconhecido à sociedade brasileira. 

A mesma Gazeta de Notícias, mais adiante em 1898, numa crônica justamente no dia do Natal, já descreve o Father Christmas/Santa Claus não como Papá Natal porém com uma forma mais próxima da atual: Papá Noel. O jornal é categórico em afirmar que o Papá Noel não se aventura por estas callidas regiões do Brasil (...), pois o Papá Noel ama o frio. A tradição dos sapatinhos ou meias colocadas para receber os presentes do bom velhinho é apresentada. A mesma crônica identifica o local de moradia do Papá Noel os bosques da Noruega, onde embrulha os presentes. Um ano depois, na sua edição de véspera de Natal, o periódico volta a aludir ao personagem natalino, mas usando o termo Papai Natal.

Parece-nos que a chegada do Papai Noel (Father Christmas/Santa Claus/Papai Natal/Pai Natal) ao Brasil se consolida principalmente a partir da primeira década do século XX, embora não tenha se tornado tradicional e enraizado na cultura nacional de forma ampla até à década de 1940. 

Na edição de 24 de dezembro de 1900, o jornal Cidade do Rio publica um pequeno conto natalino, curiosamente escrito por um brasileiro (assina como "B.C."), em que os personagens são crianças nacionais. No conto verifica-se o uso da árvore de Natal para comemoração do festejo. Tratando-se de um artigo cômico, pois as crianças rezam ao Papá Noel. O fogão da família é o lugar indicado para colocar os sapatinhos e receber o presente. Pensamos que isso talvez faça referência ao fato da chaminé das famílias brasileiras ser justamente aquela que expele a fumaça dos fogões à lenha e não de lareiras. O mesmo Cidade do Rio na sua edição de 26 de dezembro do mesmo ano, registra que bem mudados correm os tempos, pois se verifica o novo costume de deixar o sapatinho de guela aberta para receber os brindes de Papá Noel. Acreditamos que isso aponta que o costume de esperar o Papá Noel esteve se arraigando em famílias da sociedade brasileira, possivelmente mais letradas e financeiramente mais estabelecidas, na capital da República, durante o final do século XIX. Um pseudônimo denominado Carmen Dolores, numa folha fluminense de 1907, afirma ter esperado o Papá Noel na fazenda de seu veneravel pae num dezembro de 1887.

As primeiras representações do Papai Noel

Festa natalina infantil no Rio de Janeiro em 1910
Na extrema direita uma criança representa o Papá Noel (seta amarela)


Durante a primeira década do século XX, menções ao Papá Noel/Papai Noel são encontradas como figura natalina no próprio Rio de Janeiro, no Recife, em Porto Alegre, São Paulo, Curitiba, São Luís do Maranhão, Penedo (Alagoas) e em Belo Horizonte (ainda conhecida na época como Cidade de Minas). Em 1901 são percebidos um Sabat de Natal, no Rio de Janeiro, e uma festa natalina no interior de Minas Gerais entre os empregados de uma companhia inglesa de mineração, onde encontramos o Papá Noel. E nos parece também que a adesão brasileira ao senhor gordo e bonachão de grande barba branca ocorreu de forma muito rápida, mesmo para os padrões daquele período histórico. O Correio Paulistano em sua edição de 13 de novembro de 1907, lamenta que Hoje, em vez do reizado e do bumba, as senhoras ensinam aos filhos que Papá Noel vai pôr na chaminé os brinquedos e fazem a árvore do Natal. O mesmo Correio segue e acrescenta que estavam substituindo o tradicional vatapá no Natal pelas carnes adocicadas do allemão e os molhos envenenadores dos franceses. Mesma impressão tem o Diário do Maranhão de 20 de dezembro de 1909 que ataca veementemente o pinheiro de Natal e a exótica preocupacção de imitar o estranjeiro do brasileiro. Curvello de Mendonça, escritor carioca, ataca-o violentamente em uma crônica de 1910. Apesar disso, o Papá Noel já era visto sendo esperado em algumas fazendas do interior do estado do Rio de Janeiro em 1907, bem como na mesma época sendo utilizado como figura atrativa de associações de caridade para garantia do Natal das crianças pobres. O Jornal Pequeno de Recife, em sua folha de 21 de dezembro de 1909, identifica a chegada do Papá Noel ao Brasil à influência francesa, o que faz sentido, pois Noel é Natal naquela língua. Enquanto que em Portugal, o Father Christmas/Santa Claus é conhecido como Pai Natal.

A maioria das tradições associadas ao Papai Noel já aparece nesta década, exceto o costume de presentear as crianças más com carvão. O que difere bastante não é sua representação física (gordo, simpático e amável), mas o tipo de roupa que usa. Ora sua vestimenta assemelha-se muito à sua forma clássica (calças vermelhas, cinto, casaco vermelho, gorro vermelho), ora ele é descrito usando roupas vermelhas e verdes, ora usando azul. Bem verdade, numa ilustração que encontramos o Papai Noel lembra muito mais o Gandalf de O Senhor dos Anéis, com uma espécie de túnica pesada e capuz, botas mais simples e um cajado rústico de madeira. O sino é percebido fixado junto ao cinto. Noutra representação ele aparece usando ramos de azevinho nas orelhas e um gorro mais assemelhado a um quepe do que a uma touca. O Paiz de 26 de dezembro de 1909 o coloca chegando de balão (aeróstato, uma das maravilhas da época!) e não de trenó. Um detalhe incomum é que um conto da época é assertivo em apontar que Papá Noel adora vinho do Porto.

De modo geral, a imprensa direcionada ao público infantil serve para popularizar a figura do Papai Noel, com diversas histórias que mesclam quadrinhos, ilustrações e crônicas, onde o bom velhinho extrapola suas funções natalinas e é inserido em lendas e histórias mágicas com animais e seres folclóricos.

O Natal Brasileiro versus o Natal "Europeu"

A primeira nota que achamos sobre o Papá Noel sendo performado no Brasil situa-se no ano de 1910 no bairro carioca do Botafogo, em salões de festa que procuram celebrar o Natal de acordo com os ditames europeus, com o uso de frutas secas e a constante presença da árvore de Natal (mesmo cena encontrada no bairro das Laranjeiras). Todavia, no mesmo ano, diante desta exibição de um Natal europeu na capital da República, o mesmo jornalista que o assim o registra, o contrapõe lembrando das festividades natalinas brasileiras em outras localidades da cidade como a Gávea, em Vila Isabel, em São Cristóvão, na Avenida do Mangue, na Praça Onze de Junho e no Campo de Sant'Ana, como o reisado, os ranchos de pastorinhas, o boi, as cançonetas em honra ao Menino Jesus, as diversas representações populares do presépio e as tradicionais barraquinhas pela data que vendem toda sorte de produtos até quase à meia-noite. O único fator de união entre estes dois Natais é a Missa de Galo, prestigiada igualmente pela elite, classe média e pobres.

O Papai Noel "avança"

Durante as décadas de 1910 e 1920, apesar das críticas a figura do Papá Noel (agora já aparecendo também com a grafia Papai Noel) avança como símbolo natalino no Brasil e passa a constar de modo cada vez mais frequente na imprensa e na sociedade. Aqui e ali também se documenta seu uso comercial. A Casa Tem Tudo, sediada em Santos/SP, anuncia que Papá Noel a encarregou de expor aos papaes a completa colleção de brinquedos que destinas estas festas às creanças santistas! para o Natal de 1918. 

Durante a década de 1910, o Papai Noel já aparece no interior do Rio de Janeiro, Minas Gerais e de São Paulo. No Club 12 de Agosto de Florianópolis/SC em 25 de dezembro de 1911, o Papai Noel aparece de surpresa numa festa infantil distribuindo presentes e doces para alegria da criançada. No Natal de 1913, o Papai Noel é visto em Belém do Pará e em Cuiabá, e do ano seguinte, nas ruas de Salvador, na Bahia. Uma livraria em Manaus o representa tradicionalmente num grande quadro à entrada do estabelecimento no Natal de 1913, embora o periódico que guarda tal informação o chama de figura exotica aos trópicos. O Quartel de Polícia de Teresina/PI  promove uma festa em 1914 para os filhos de officiaes e praças (cerca de 750 brinquedos foram distribuídos) em que encarregam o cabo Antônio Celso de ir caracterizado do bom velhinho. Em 1917, no Ceará o escritor Herman Lima admoesta as crianças a irem dormir, do contrario não ha de vir Papá Noel. No distante Acre, na Vila Seabra, o Papai Noel faz sua estreia em 1918 numa festividade natalina. Em 1919, o Papai Noel é observado numa festa da colônia italiana em São Paulo para desespero dos mais conservadores que proclamam que quem traz presentes para os bambinos é o Menino Jesus e não aquele velho gordo de vermelho!

Durante a década de 1920 os registros sobre o Papai Noel abundam na Imprensa brasileira e já contamos cerca de 400 citações de festividades, escritos, peças comerciais e notícias diversas. Principalmente a partir de 1924, podemos concluir que sua figura já está bem inserida nas principais capitais e centros urbanos do País. Na Porto Alegre de 1927, homens promovem ações beneficentes de Natal vestidos a caráter e com uma cesta distribuindo castanhas.. Na mesma capital gaúcha, no dia 21 de dezembro de 1929, assistimos talvez aquilo que vai ser a primeira chegada do Papai Noel documentada no Brasil com inúmeras celebrações, música, distribuição de doces e presentes, onde estiveram presentes mais de duas mil crianças!  No interior mais agrário, as informações são mais escassas. 

Durante as décadas de 1930 e 1940, o Papai Noel torna-se predominante no Brasil como figura natalina bondosa que distribui presentes às crianças bem-educadas. As mamães e papais começam a falar dele de forma mais frequente durante o ano, principalmente como personagem incentivador de boas práticas morais, caso contrário os rebentos podiam ter a desagradável surpresa de não ganhar nada de bom na noite de 25 de dezembro ou, pior ainda, um monte de cocô (conforme o registro de um periódico paulista de 1947) por causa de suas malcriações. 

As antigas tradições natalinas brasileiras foram se tornando cada vez mais escassas, principalmente a partir da crescente urbanização iniciada na década de 1950. 

Fontes:

GAZETA DE NOTÍCIAS (Rio de Janeiro/RJ), 09 de Fevereiro de 1881, pág. 01

GAZETA DE NOTÍCIAS (Rio de Janeiro/RJ), 25 de Dezembro de 1898, pág. 01

GAZETA DE NOTÍCIAS (Rio de Janeiro/RJ), 24 de Dezembro de 1899, pág. 01

GAZETA DE NOTÍCIAS (Rio de Janeiro/RJ), 28 de Dezembro de 1901, pág. 02

GAZETA DE NOTÍCIAS (Rio de Janeiro/RJ) - outras edições: 16/12/1905, pág. 01; 25/12/1905, pág. 01; 19/12/1906, pág. 03; 26/12/1906, pág. 02; 05/01/1908, pág. 02; 19/12/1909, pág. 02; 14/04/1910, pág. 02; 24/12/1910, pág. 04; 25/12/1910, pág. 06; 26/12/1910, pág. 03

CIDADE DO RIO (Rio de Janeiro/RJ), 24 de Dezembro de 1900, pág. 02

CIDADE DO RIO (Rio de Janeiro/RJ), 26 de Dezembro de 1900, pág. 01

DIÁRIO DE MINAS (Belo Horizonte/MG), 28 de Março de 1901, pág. 04

DIÁRIO DO MARANHÃO (São Luís/MA), 20 de Dezembro de 1909, pág. 01

A REPUBLICA (Curitiba/PR), 14 de Novembro de 1905, pág. 02

CORREIO PAULISTANO (São Paulo/SP), 13 de Novembro de 1907, pág. 01

JORNAL DO BRASIL (Rio de Janeiro/RJ), 07 de Abril de 1907, pág. 08

CORREIO DA MANHÃ (Rio de Janeiro/RJ), 30 de Dezembro de 1908, pág. 04

JORNAL PEQUENO (Recife/PE), 11 de Dezembro de 1907, pág. 02

JORNAL PEQUENO (Recife/PE), 12 de Dezembro de 1907, pág. 02

JORNAL PEQUENO (Recife/PE), 21 de Dezembro de 1907, pág. 03

JORNAL PEQUENO (Recife/PE), 24 de Dezembro de 1909, pág. 01

JORNAL PEQUENO (Recife/PE), 24 de Dezembro de 1910, pág. 04

O PAIZ (Rio de Janeiro/RJ), 24 de Novembro de 1901, pág. 02

O PAIZ (Rio de Janeiro/RJ), 07 de Janeiro de 1907, pág. 01

O PAIZ (Rio de Janeiro/RJ), 24 de Dezembro de 1909, pág. 05

O PAIZ (Rio de Janeiro/RJ), 26 de Dezembro de 1909, pág. 02

O PAIZ (Rio de Janeiro/RJ), 31 de Dezembro de 1909, pág. 01

CORREIO DA MANHÃ (Rio de Janeiro/RJ), 30 de Dezembro de 1903, pág. 04

CORREIO DA MANHÃ (Rio de Janeiro/RJ), 24 de Dezembro de 1908, pág. 01

CORREIO DA MANHÃ (Rio de Janeiro/RJ), 25 de Dezembro de 1911, pág. 01

CORREIO DA MANHÃ (Rio de Janeiro/RJ), 29 de Dezembro de 1913, pág. 01

FON-FON (Rio de Janeiro/RJ) - edições:  Ano II número 38, 24/12/1908; Ano III número 02, 09/01/1909; Ano III número 43, 23/10/1909; Ano III número 45, 06/11/1909; Ano III número 52, 23/12/1909; Ano IV número 01, 01/01/1910; Ano IV número 48, 26/11/1910

DIÁRIO DE PERNAMBUCO (Recife/PE) - edições: 15/12/1908, pág. 03; 24/12/1908, pág. 03; 18/01/1909, pág. 01

A NOTÍCIA (Rio de Janeiro/RJ) - edições: 23/11/1901, pág. 02; 31/07/1907, pág. 02; 25/12/1909, pág. 01

O TICO-TICO; JORNAL DAS CRIANÇAS (Rio de Janeiro/RJ) - 125 ocorrências entre 1907 e 1955.

O MALHO (Rio de Janeiro/RJ) - 106 ocorrências entre 1904 e 1953.

A PROVINCIA (Recife/PE), 25 de Dezembro de 1909, pág. 01

KÓSMOS: REVISTA ARTÍSTICA, SCIENTIFICA & LITTERARIA (Rio de Janeiro/RJ), 1904, edição 012

KÓSMOS: REVISTA ARTÍSTICA, SCIENTIFICA & LITTERARIA (Rio de Janeiro/RJ), 1907, edição 012

O FILHOTE (Rio de Janeiro/RJ),  Ano I número 15, 23 de Dezembro de 1909

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O MONITOR (Penedo/AL), 21 de Junho de 1909, pág. 01

A FEDERAÇÃO (Porto Alegre/RS), 01 de Janeiro de 1906, pág. 01

A FEDERAÇÃO (Porto Alegre/RS), 24 de Dezembro de 1909, pág. 02

JORNAL DAS MOÇAS (Rio de Janeiro/RJ), Ano I número 15, 14 de Dezembro de 1914

O GATO: ALBUM DE CARICATURAS (Rio de Janeiro/RJ) - 06 ocorrências entre 1911 e 1917

GAZETA DO POVO (Santos/SP), 23 de Dezembro de 1918, pág. 04

REVISTA DA SEMANA (Rio de Janeiro/RJ), Ano XIII número 659, 28 de Dezembro de 1912

ILLUSTRAÇÃO PAULISTA (São Paulo/SP), Ano II número 65, 20 de Abril de 1912

ESTADO DO PARÁ (Belém/PA), 25 de Janeiro de 1914, pág. 01

A NOTICIA (Salvador/BA), 24 de Dezembro de 1914, pág. 06

JORNAL DO COMMERCIO (Manaus/AM), 25 de Dezembro de 1913, pág. 04

A NOTA (Fortaleza/CE), Ano II número 89, 24 de Dezembro de 1917

O DIA (Florianópolis/SC), 27 de Dezembro de 1911, pág. 02

DIÁRIO DO PIAUHY (Teresina/PI), 27 de Dezembro de 1914, pág. 02

A REFORMA (Vila Seabra, Departamento de Taranacá, Acre), 29 de Setembro de 1918, pág. 02

O DEBATE (Cuiabá/MT), 25 de Dezembro de 1913, pág. 01

Diversos periódicos de 16 estados brasileiros entre 1920 e 1949.


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