"Este ano de 1963 verificaram-se três casos de mortes de crianças, por artes das bruxas, na cidade de Florianópolis e no interior da ilha de Santa Catarina. A conselho de benzedeiras e milagreiras, os pais das pequeninas vítimas prepararam as armadilhas tradicionais, mas somente uma das bruxas foi apanhada.
Quem são estas estranhas criaturas?
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Os entendidos dizem que, se um casal tem seguidamente sete filhas, a mais velha ou a mais moça delas está predestinada a transformar-se em bruxa, em especial se as meninas são feias, esqueléticas, de nariz adunco e de hábitos mais ou menos estranhos. Há um modo de evitá-lo. À medida que as meninas vão nascendo os pais fazem com que as irmãs mais velhas batizem as mais moças, dando-lhes o nome de Benta; e, após o batismo, despem as crianças e administram-lhes uma colherinha de vinho virgem, vestindo-as em seguida com a mesma roupa, mas pelo avesso, até o galo preto cantar. Parece, porém, que tal cautela tem sido pouco observada - ou não haveria tantas bruxas a assombrar a ilha.
As bruxas costumam aparecer, com mais frequência, na Ponta da Feiticeira, no distrito dos Ingleses, onde em certas noites se pode ver um facho de fogo errante, a passear sobre as casas do lugar; mas também forma localizadas em Santo Antônio de Lisboa, Pântano do Sul, Ponte das Canas, Lagoa da Conceição, Rio Tavares, Morro das Pedras, Ribeirão da Ilha e Barra do Sul.
Em meio a gargalhadas estridentes e sinistras, as bruxas divertem-se nos pastos, ora dando nós nos rabos e crinas dos cavalos (nós que seriam indesatáveis), ora chupando-lhes o sangue, ora obrigando-os a galopar às tontas; nas encruzilhadas dos caminhos, às vezes transformadas em mulas, oferecendo montaria aos viajantes incautos, ou na forma de galinhas chocas; na praia, soltam as canoas dos pescadores, enleiam-lhes o espinhel, sujam-lhes as velas; em casa, aboletam-se no encosto de bancos e cadeiras, pondo os pés sujos de lama e de fezes no assento para sujar a roupa das pessoas da família; e, em geral, atiram pedras, torrões de barro (barro de cemitério), junta-de-cobra e matérias fecais sobre coisas, animais e pessoas.
Quando há figueiras e carvalhos na redondeza, reúnem-se em concílio sobre as suas ramagens, para treinar as novas bruxas ou para combinar as travessuras da noite, mas o seu ponto preferido de reunião, às quintas e sextas-feiras, a horas mortas, são casas abandonadas ou mal-assombradas.
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Nesses dias as bruxas despem-se, escondem as roupas sob folhas de mato, em touças de bananeira ou sob os paneiros das canoas dos pescadores, esfregam no corpo unto virgem e pronunciam as palavras mágicas:
Por cima do silvado e por baixo do telhado
a que algumas vezes acrescentam formada em bicho mandado.
Estão aptas, então, a toda sorte de estrepolias. Locomovem-se em lanchas baleeiras, canoas bordadas e de borda lisa, lombo de cavalo, carro de boi, vassoura, - e nem sempre limitam as suas andanças à ilha, largando-se pelo mundo a visitar países em todos os continentes.
O encanto dura algumas horas, a partir da Ave Maria, marcadas pelos sucessivos cantos de aviso do galo branco, do galo amarelo e do galo preto. Se o canto do galo preto as surpreender ainda a cumprir o fado, as bruxas não poderão voltar novamente à forma humana.
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Os habitantes da ilha conhecem um esconjuro contra as bruxas,
Bruxa
tatarabruxa
Aguilhão nos teus pés
e antolhos nos teus olhos
Tu não me entras aqui nesta casa,
nem esta comarca toda
Em nome de Deus e da Virgem Maria, Amém
Mas alguns deles, não tão crédulos no simples poder das palavras, quando as pressentem se valem de vários contra para mantê-las à distância: desenham a cruz do sino Saimão na porta da casa; despem a roupa e vestem-na pelo avesso; põem uma faca entre dentes com o corte para fora... Acredita-se que o sino Saimão prenda a bruxa ao local.
Uma defesa permanente é o breve em que se reúnem um pedacinho de madeira com a cruz do sino Saimão, um pedacinho de esporão de galo preto, um pouco de pó da gema de um ovo da Sexta-Feira Santa, um pedaço de unha de gato preto e três grãos de mostarda.
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A aparência das bruxas apavora e terrifica.
Pessoas que com elas tiveram contato dizem que são feias como os sete pecados, que os seus olhos chispam fogo e que nas mãos engelhadas empunham fachos de luz de cores diversas, que sacodem no ar numa chuva de faíscas.
Uma bruxa, que costumava ficar ao leme de uma lancha que toda semana furtava na praia, tinha o corpo coberto de escamas negras e as unhas das mãos semelhavam pontas de lança, os cabelos compridos caíam pela pôpa sobre o mar, deixando no rastro um fogo de ardentia, nos olhos chamejavam dois feixes de luz e os pés eram como patas de mula..."
Fonte: CASCAES, Franklin. As bruxas da Ilha de Santa Catarina. In: Revista Brasileira de Folclore, Rio de Janeiro/RJ, Ministério da Educação e Cultura, 1963, pág. 125-130.