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quarta-feira, 14 de abril de 2021

O italiano carijó

 



"Um dos assuntos que está na pauta de discussões de muitos caxienses é relacionado à formação étnica da população. Recentemente, apareceram algumas teorias de que, atualmente, somente de 30 a 40% das pessoas que vivem em Caxias são descendentes 'puros' de imigrantes italianos. A meu modo de ver, estas conclusões são precipitadas pois não existe, ainda, um levantamento ou uma pesquisa científica para avaliar esta situação.

A 'estatística' apresentada tem um cunho eleitoral muito grande, pois os candidatos a prefeito têm interesse em saber qual o número de votantes que descendem de italianos, portugueses (principalmente aqueles oriundos dos Campos de Cima da Serra) ou alemães. Ou seja, um candidato a vice-prefeito poderia preencher uma lacuna, em determinado reduto ou região, avaliando-se a etnia predominante.

Assim, esquecem que uma parcela significativa de descendentes de italianos também tem sangue de outras raças. Se, por exemplo, alguns tiveram pais ou avós casados com 'nacionais' ou descendentes de portugueses 'pelo-duro', há chances de correr sangue índio nas veias. Numa rápida leitura num banco de dados genealógico particular, que lista cerca de 30.000 nomes de pessoas da região, verifica-se a existência de muitas famílias de imigrantes italianos que casaram com portugueses que, por sua vez, tiveram cruzamento com índios de diversas tribos brasileiras, desde o descobrimento até o início do século XX.

Para entender este caldeamento de raças ou mestiçagem ocorrida, temos que lembrar que famílias portuguesas se instalaram na região Nordeste do Estado muito antes da chegada dos colonos italianos. E o roteiro seguido pelos pioneiros povoadores foi traçado, principalmente, no caminho dos tropeiros paulistas e paranaenses e mais aquele oriundo do litoral começando por Florianópolis, Laguna, Santo Antônio da Patrulha e Viamão. Nesta passagem, os açorianos deixaram descendência numerosa, inclusive aqui em Caxias do Sul.

Portanto, muitos 'italianinhos' de hoje (refiro-me a crianças nascidas a partir da década de 1990) mal sabem que em suas veias corre sangue de várias raças e que provavelmente definirão uma nova discussão no futuro. Para dar alguns exemplos da minha família e da minha esposa, próximos e por afinidade, relaciono alguns sobrenomes 'italianos' que ao cruzarem com portugueses herdaram sangue indígena, principalmente das tribos dos tibiriçás (São Paulo) ou carijós (litoral catarinense e gaúcho), ou, pelo menos um ramo dessas famílias: Cecconello, Pelizarri, Cadorin, Boff, Borela, Dossin, Bossle, Rodolfi, Bertelli, Rossi, Peteffi, Zardin, Vicentin, Corteze, Bisol, Susin e muitos outros, com todas as variações ortográficas.

Famílias germânicas também contribuem para esse embelezamento de raças, como os Schmith, Linck, Horn, Hoffmann, Klippel, Hoff, Kroeff, Kellermann, Muller, Wasen, Weiss, Spier e, quem sabe, várias centenas de sobrenomes, eis que a imigração alemã é bem anterior à italiana.

Neste contexto, a incorporação de áreas serranas ao município de Caxias do Sul, como os distritos de Criúva, Vila Seca e Vila Oliva, trazem um significado especial e uma nova história. Estas regiões, povoadas inicialmente por portugueses do continente e açorianos, também têm muita coisa para contar... lembrando que aqui viviam tribos de caingangues e coroados.

Desculpem os leitores, mas sinto um orgulho imenso quando sei que em meus filhos corre sangue italiano, alemão, português, açoriano, holandês e índio. E, provavelmente, alguns de meus netos terão também sangue espanhol e africano."

Fonte: ALVES, Luiz Antônio. O italiano carijó, herdeiro de diferentes etnias. CORREIO RIO-GRANDENSE, Caxias do Sul, 12 de Julho de 2000, página 02.