Quando ocorrem perturbações motivadas pelo aquecimento das camadas inferiores do ar ao longo da escarpa da Serra Geral, e a formação de correntes verticais, aparece, no alto da serra, após o nascer do sol, o nevoeiro denso, que constitui sério perigo para o viajante incauto que por ele é apanhado sem conhecer devidamente a área.
E surge, então, a lenda.
Onde o nevoeiro é mais denso, aparecem homens misteriosos, saídos furtivamente das anfratuosidades das rochas que formam os taludes; são criaturas desconhecidas, que assustam o povo dos campos sobranceiros à serra.
Ouvi muitas alusões a esses extranhos invasores do planalto, quando, em 1943, percorri os campos de Santa Bárbara, no município de São Joaquim. A origem dessa lenda prende-se à ação do nevoeiro sôbre a alma humana. Willy Hellpach, estabelecendo as bases de uma nova ciência - a Geurgia, cujo trabalho sensível é a adaptação de nosso comportamento vital a um clima e a um tempo dados - coloca o nevoeiro na classificação do tempo deprimente, que provoca desassossego e opressão. Acresce inda que tais homens existiram no passado. Desde os primeiros tempos da abertura dos campos planaltinos pelos povoadores paulistas, os homens que ali se estabeleceram tiveram por inimigos os selvagens 'caingangs', que tinham sua área de caça no litoral e no planalto de Lajes. Estabelecido o domínio do fazendeiro, o selvagem aproveitava-se do nevoeiro para penetrar no campo e matar o gado. Os indígenas desapareceram, atualmente aldeiados no vale distante do Itajaí do Norte, porém a influência deprimente do nevoeiro faz sobreviver, na geração atual, o índio furtivo na lenda dos homens misteriosos da escarpa do planalto.
O clima, exprimindo condições permanentes do ambiente físico, influi sôbre o homem de forma igualmente duradoura. Ratzel afirmava que o clima atua sôbre o indivíduo ou sôbre o povo de duas formas distintas: a primeira, marcando a alma humana; a segunda, indireta, agindo sôbre as condições de vida. É a última dessas modalidades que mais se liga ao folclore."
Fonte: COMISSÃO CATARINENSE DE FOLCLORE. Boletim Trimestral, n. 9-10. Florianópolis/SC: Imprensa Oficial de Santa Catarina, 1951, pág. 117-118.