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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

A entrevista do Major Azevedo Junior



"Major Azevedo Junior

ENTREVISTA

Sabendo que tinha chegado de Jaguarão, no vapor Mirim, o distincto militar sr. major Antonio José dos Santos e Azevedo Junior, que conseguiu fugir do acampamento federal em Aceguá, procurámos realisar com elle um intervieux, o que teve lugar hontem, ao meio dia.

Principiámos por perguntar-lhe como, quando e porque foi preso. Respondeu-nos:

- Eu estava em Alegrete, juntamente com meu filho segundo cadete e segundo sargento Arthur Alves de Azevedo, quando ali chegou Pina com 600 homens e prendeu-nos, mandando-nos conduzir para a camara municipal.

Perguntei-lhe porque motivo nos prendia e elle respondeu-me que eu era official do exercito e, portanto, suspeito.

Sabia que eu era major do 11o. regimento de cavallaria.

Logo depois fui removido, com meu filho, para a guarda d'aquella força.

Após reuniu-se Pina a Prestes Guimarães e teve lugar o combate no lugar denominado Jararaca, que assistimos de princípio a fim, na frente das fileiras e completamente desarmados.

A minha faca prateada e o meu relogio de ouro, bem como toda a nossa bagagem, haviam-nos sido saqueados logo que fomos prisioneiros.

- O que nos diz, perguntamos-lhes nós, do procedimento das forças federalistas durante o tempo que estiveram na cidade e no município do Alegrete?

- Como em toda a parte a devastação foi completa: saqueava-se e inutilisava-se indistinctamente, tanto de republicanos como de federaes.

- E não havia, tornamos nós, protestos, por parte da população da cidade?

- Não: a cegueira ali é tal e tanta que a maioria da população applaudia as barbaridades que eram comettidas a seus olhos.

Mesmo depois de entrarem n'aquella cidade as forças legaes, garantindo a ordem e fazendo respeitar a vida e a propriedade dos cidadãos, ainda assim, parece incrível, as sympathias eram pela causa dos federaes!...

Esta é, infelizmente, a verdade.

Depois fui preso, constrangido a acompanhar aquella gente, tive occasião de observar coisas extraordinárias:

Chegavam as forças a uma estancia pertencente a um cidadão seu co-religionario, cujos filhos e parentes n'ellas se achavam empulhando armas.

Estes apressavam-se em dizer quem eram, bem como quaes os donos da propriedade; tudo era em vão: tinha princípio desde logo a obra sinistra da devastação!

Isto se dava com os proprios federaes: faça-se idéa o que se não daria com os republicanos.

- Depois d'essa prisão, perguntamos nós ao sr. major Azevedo: Que rumo levaram as forças que vos conduziam?...

- Seguiram para S. João Baptista do Quarahy, arrebanhando tudo quanto encontravam e podessem conduzir.

Ahi apanhámos grandes inverneiras, desencadeadas tempestades: até que teve lugar o combate de Inhanduhy, onde os federaes tiveram grande numero de baixas, devidas à artilharia republicana.

D'ahi começaram as deserções em massa, o desanimo lavrou em todo o exercito federal.

Sempre que os federaes se approximavam da linha, chefes importantes com toda a sua gente desertavam.

O coronel Salgado. em vista de semelhante facto, tratava de animar a sua gente, fazendo enthusiasticos discursos, annunciando victorias no Rio e n'outras localidades.

Os soldados, porém, ouviam aquellas palavras como prenuncio de proximo revéz, e não tardava que as balas do exercito legal começassem a fazer horriveis estrados nas fileiras federaes.

- Diga-nos uma cousa, major: depois que [apagado] força em que com o vosso filho estaveis prisioneiros, a vossa sorte não melhorou?

- Certamente: elle não achou justa a nossa prisão e desde essa epocha passei, eu e meu filho, a sermos cuidados pelo 9o. corpo do tenente-coronel Timotheo Paim, meu parente e amigo, que, relativamente, amenisou-nos a sorte.

A Timotheo Paim devemos a vida: por duas vezes estivemos sentenciados á morte, o que se não effectuou devido áquelle chefe.

Vem a proposito relatar um facto digno de nota:

Quando o exercito federal errava, desastradamente pelo municipio de Palmas, levando comsigo a morte e o pavor, acampou proximo a uma estancia: o chefe d'aquella propriedade, temendo a perversidade d'aquella gente, havia-se ausentado, ficando n'ella sua esposa e filhas.

Officiaes e soldados do exercito federal dirigiram-se áquella mansão, arrombando as portas a machado.

Paim, que conhecia sobejamente aquella gente dirigiu-se á estancia e lá chegou justamente quando as portas do predio caiam por terra e as pobres moças de joelhos, imploravam compaixão.

Desembainhada a sua espada o coronel Timotheo fez aquella horda de vandalos deixar em paz as desprotegidas donzellas.

Mas... a retaguarda, onde não havia um Paim, passava a razoura em tudo e nada respeitava.

Em muitas estancias os pianos e mais trastes de importancia foram destruidos a machado, não se ouvindo as supplicas reiteradas das suas donas que de joelhos pediam que a destruição não fosse completa.

- E em Quarahy, perguntámos nós, o que fizeram os federaes?

- Levaram a passar para o Estado Oriental mais de 30,000 cavallos, eguas, mulas e burros que arrebanharam por todos os municipios onde passaram.

- O que nos diz, perguntámos-lhes, da batalha do Inhanduhy?

- Que si as forças fossem iguaes e nós os republicanos tivessemos pelo menos mais cavallaria, a revolução teria se findado com aquella batalha.

Entretanto foi no Inhanduhy que se accentuou o desanimo nas fileiras federaes, pronunciando-se o noticiado estrangulamento.

Desde esse revez começaram as deserções em massa: no Upamaroty e na Restinga já os rebeldes tinham sido desfalcados não só pelas baixas e apresionamento, como pelas deserções diarias de chefes e corpos inteiros.

O panico era geral: houve dias em que a perseguição do general Telles era tal que não havia tempo nem de assar-se no burralho um pedaço de carne, unico alimento que restava ao exercito fugitivo.

Sal, fumo e herva - nem por misericordia: houve dias em que os soldados chegaram a lançar nas cuias ramos de carqueja e despejar sobre elles agua fervendo.

Era um miseria medonha!

Os pobres soldados, inconscientes, morriam duros de frio nos acampamentos, tendo apenas um pedaço de pellego cubrindo-lhes as partes sexuaes...

E estes infelizes não sabiam qual a causa de sua miseria, dos seus soffrimentos!

Simples authomatos...

Do Upamoroty viemos sempre tocados pela vanguarda do general Telles até ás grotas do Asseguá.

A força rebelde, durante a fuga, foi deixando para traz tudo quanto era obstaculo á sua marcha rapida: gado, cavallos, carroças com ambulancias e munições - tudo foi desprezado: tal era o panico de que a mesma vinha possuida.

- Bem, dissemos nós; depois de tantos fracassos chegaram, finalmente, ás grotas do Asseguá.

O que se passou ali, não nos poderá dizer o sr. major?

- Certamente; tratou-se da deposição de Joca Silva, por inepto e imprestavel: esta deposição era ha muito latente, como muitas outras que explodiram em pleno acampamento: por exemplo;

Um bello dia estivemos vendo que por simples e mera questão de um cavallo o exercito federal se exterminava completamente.

É o caso que a questão se agitou entre Cabeda e Pina e foi solvida a rebenque, a vista do coronel Salgado.

O exercito se dividiu - uma parte estava do lado de Cabeda e outra de Pina.

Devido á intervenção do anjo da paz, as armas, que já estavam apontadas, descançaram.

- Esclareça-nos, major: como pôde realisar a sua fuga e de seu filho?

- Muito natural e simplesmente: aproveitámos a confusão que reinara por occasião do desarmamento das forças de Salgado, Tavares e Prestes Guimarães, ante o coronel oriental João Aguiar.

Levámos comnosco um vaqueano que nos guiou na perigosa passagem de um banhado de doze quadras de extensão.

No dia 8 chegámos a Mello n'um estado completamente miseravel: quasi nús.

Fomos ali acolhidos pelo sr. consul brazileiro com o maior carinho e recebemos do sr. Pedreira toda a protecção.

Recebemos roupa e todos os recursos.

Depois soubemos que todos esses auxilios eram-nos proporcionados pelo patriotico governo do Rio Grande do Sul.

O sr. Pedreira, querendo conservar um testemunho dos nossos infortunios, pediu-nos para sermos retratados nos trages em que chegamos á villa de Mello, onde fomos tratados com o maior carinho pelas auctoridades do paiz.

Dahi, sob a protecção das auctoridades orientaes, dirigimo-nos a Jaguarão e d'aquella a esta cidade.

- E o sr. major, perguntámos, julga finda a revolução?

- Si o governo do paiz tomar as necessarias precauções, a revolução pode-se considerar desde já exterminada.

O plano dos revoltosos é continuar a guerra de recursos, logo que a estação invernosa se finde.

Urge que o governo arregimente forças de cavallaria, bem armadas, durante o inverno, afim de exterminar o grupo de Gomercindo Saraiva que se internou no Estado.

- Sim, lhe respondemos: o senador Pinheiro Machado, com a sua columna das tres armas, acha-se em perseguição d'esse caudilho.

O governo da União terá a sufficiente energia para reclamar do governo oriental contra a escandalosa protecção que tem dispensado aos caudilhos revolucionarios.

[apagado] e da liberdade, não nos defenderemos de joelhos, como disse o grande Emilio Castellar.

É justo e preciso que o governo oriental se capacite de que, assim como nós temos sido justos e leaes para com elle, em circumstancias identicas - assim tambem lhe cumpre guardar a mesma lealdade.

- Sim, nos respondeu o sr. major Azevedo: é preciso todo o cuidado com as diligencias e vias ferreas: a zona do norte está devastada e o federalismo concentra suas esperanças nas regiões não exploradas.

Muito e bem armada cavallaria - eis o meio de suffocar as esperanças do federalismo.

✤✤✤✤✤

Assim terminámos o nosso interview.

(Do Rio Grande do Sul)."

Fonte: A FEDERAÇÃO (Porto Alegre/RS), 24 de Junho de 1893, pág. 02, col. 02 à 04