Ha dias noticiámos a exposição que ia fazer de 12 telas, em uma das salas da Escola Normal de Bellas-Artes, o nosso illustre patricio Pedro Weingärtner.
Com effeito, realisou-se essa exposição, segundo vemos na mesma folha que nos transmittira a anterior noticia, O Paiz, que assim se pronuncia a proposito d'esses importantes trabalhos do talentoso pintor rio grandense:
'Entre os 12 quadros expostos, ha 5 retratos, sendo 3 ao ar livre, trabalho difficilimo e bem acabado.
Esse genero talvez não encontre apreciadores; no emtanto deve agradar muito o de n. 8, retrato do sr. Ramiro Barcellos no interior de sua sala de trabalho, assim como o do menino Octavio de Oliveira, que fórma um quadrinho muito gracioso.
O artista em questão apresenta quatro paysagens que representam quatro contrastes - Ave-Maria, bello effeito de luz occidental após um dia quente, com o campo que começa a ser invadido pela sombra e apenas animado por um grupo de duas mulheres que terminam o trabalho e se preparam para partir; Novo Hamburgo, trecho pittoresco das colonias de S. Leopoldo, no Rio Grande do Sul, e Copacabana, marinha dos nossos arrabaldes, animada por mãe e filha que na praia esperam a volta do ente caro, e Mormasso, paysagem que não nos ficou bem retida na memoria.
Onde, no emtanto, o artista revela o seu grande talento e produz quadros brasileiros, estudando costumes nossos com a sua fina observação, desenhando largamente o que é minuciosamente estudado, escolhido com criterio, agrupado com arte e gosto, e illuminado sem as exaggerações de quem só visa fazer effeito pelo material da arte, e côr, e sim pelo estudo, onde bem se póde avaliar o seu merecimento de pintor que saiu victorioso de justas honrosas, em paizes extrangeiros, é nos quadros - Lavandeira, Por linhas tortas e Baile na roça.
Como quadro de genero e como estudo de costumes nossos, essas tres telas têm valor consideravel.
A Lavandeira é um quadro fluminense commum, que o vemos todos os dias, mas que só agora foi aproveitado.
A lavandeira é uma preta, á sombra de trepadeiras cujas folhas, bem desenhadas, formam o emmaranhado confuso de cipós.
O quadro é pintado ao ar livre em pleno sol, de modo que todos os objectos ali dispostos, roupas, regador, tinas, bacia e vaso de vegetação - têm muito vigor de desenho e colorido.
Por linhas tortas é uma scena graciosa que se passa em uma loja da roça, nas colonias do Rio Grande do Sul.
Os armarios contém de tudo, desde calças e camisas de chita até vidros de remedios.
Ha muita observação no estudo da loja.
Ao balcão, pelo lado de dentro, está uma velha de typo allemão, dona da casa; pelo lado de fóra um agente commercial, ou antes um caixeiro viajante, negocia com a velha apresentando, por amostras, uma meada de linha, não perdendo no emtanto occasião de conversar com a filha, sentada ao seu lado, em attitude de quem costura.
Atirados ao chão, estão os alforges com as amostras que entretêm uma creança deitada a percorrer o livro de fazendas.
O terceiro quadro tem cerca de quarenta figuras - Um baile na roça, de dia.
É uma festa annual do Rio Grande.
Ali estão reunidos os diversos typos que se encontram n'aquelles lugares: o caixeiro viajante, de bombachas e ponche, sempre attendido pelas moças com grande raiva dos rapazes da localidade.
N'esse bonito estudo ha grande diversidade não só nos typos, roupas e grupos, como nas attitudes.
Senhoras e cavalheiros da cidade, simples espectadores, creanças a brincar pelo chão, moças que desapertam os pés entalados em botinas novas, a banda de musica na sala visinha, os curiosos na rua e o cachorro malhado acompanhando o dono na sala de dança - formam os elementos do quadro cheio de vida e contentamento.
Ao tecto, entre flores, está uma garrafa de tradição allemã...
Uma outra deve ser escondida para ser procurada no anno vindouro.
Aquelle que tiver a felicidade de achal-a, é acclamado rei da festa e paga as despezas, depois de ornamentado com fitas e flores'.
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Alguns d'esses trabalhos, de costumes coloniaes rio-grandenses, não são desconhecidos do nosso publico, que teve ensejo de vel-os com admiração no bazar do sr. Rosa, á rua dos Andradas.
E, si nos não falha a memoria, o applaudido artista rio-grandense pretendeu vender de preferencia esses importantes quadros em sua terra natal, onde não encontrou comprador..."
Fonte: A FEDERAÇÃO (Porto Alegre/RS), 21 de Outubro de 1892, pág. 01, col. 05