Páginas

domingo, 31 de maio de 2020

O combate de Alegrete


"Combate de Alegrete

Do illustre dr. Victorino Monteiro recebeu O Paiz a seguinte carta:

'Transcreveu ante-hontem o Jornal do Commercio, do El-Dia, de Montevidéo, um artigo do sr. Adriano Ribeiro, arvorado hoje em valiente chefe revolucionario.

Não sei o que mais deva admirar, si a fertilidade de sua imaginação monkausiana, si a absoluta falta de discernimento, procurando grosseiramente embair o publico sensato.

Eis a verdade:

Estava a cidade de Alegrete apenas guarnecida por 30 homens civis ao mando do cidadão Lopes, quando foram sacrificados 14 d'elles, sem terem opposto a minima resistencia.

Entre as victimas contam-se os inoffensivos tabellião Luiz Mathias e capitão José Ourives, veterano do Paraguay e já sexagenario.

Ao effectuar-se a impatriotica invasão existiam apenas na arrecadação do 6o. batalhão de infantaria 62 armas Comblain, que foram remettidas para Uruguayana á requisição do general Hyppolito Ribeiro. A munição existente foi conduzida pelo casco do mesmo batalhão, quando, incorporando-se ás 90 praças que guarneciam a cidade de Quarahy, sob o commando do energico e distincto tenente Agnello, fizeram juncção á columna do legendario general Hyppolito.

Não existia, pois, em Alegrete um unico cartucho.

Eis ao que ficam reduzidos os pretendidos 15.000 tiros e 200 Comblain, apprehendidos na intendencia.

Quanto aos pormenores do combate, eis a verdade inteira:

Sabendo que o major Marcellino Pina, á frente de 600 homens, entrára em Alegrete, foi determinado pela auctoridade competente ao brioso e valente official Santos Filho que fosse desalojar o inimigo; Santos Filho, á frente de 1.000 homens civis, armados com 450 Comblain e o resto á lança, partiu de Cacequy a 21 do mez passado.

Essas forças haviam chegado poucos dias antes de Santo Angelo, S. Francisco, Cachoeira e Boqueirão.

Tinham excellente disposição, porém nenhuma disciplina.

É falso que o brioso 3o. regimento de cavallaria houvesse recusado partir; ao contrario, foi difficil contel-o, pois desejava immenso vingar seus companheiros, do 6o. regimento, tão vilmente trucidados em D. Pedrito.

Ás 2 horas do dia 26 encontraram em campos de João Telles, proximo ao Lageado, uma columna inimiga de mais de 1.000 homens, que se destinava a invadir a região serrana, até agora tranquilla e livre da sanha dos invasores.

Traziam numerosa cavalhada, o que demonstra ser falsa a affirmativa de que essa força ia fazer um simples reconhecimento, evidenciando-se isso da parte que o coronel Prestes Guimarães enviou ao general Silva Tavares.

Chegados á distancia conveniente, travou-se o combate, que durou cerca de duas horas, fugindo o inimigo precipitadamente e quasi em debandada, deixando no campo da lucta 18 mortos e algumas armas Remington e Minié.

O bravo militar Santos Filho, sempre tão correcto quanto destemido, fez marchar immediatamente sua columna, que ainda não se havia alimentado durante todo o dia, chegando ás 3 horas da madrugada á chacara da sua mãi, um quarto de legua da cidade.

Ahi acampou, estando seus bravos soldados extenuados pela fadiga e pela fome.

Ao romper do dia 27, quando se ia carnear, foi visto o inimigo, que, em numero superior a 3.000 homens, procurava envolver os bravos commandados de Santos Filho.

É absolutamente falso que a cavallaria fosse commandada pelo bravo e temerario coronel Firmino de Paula, um dos chefes que muito se distinguiram n'essa acção memoravel em que pouco mais de 600 bravos contiveram á respeitavel distancia numerosa força inimiga, que só se encorajou com a retirada de nossa cavallaria.

O coronel Firmino commandava a vanguarda, tendo pelejado durante seis horas á frente da linha de atiradores, que só retrocedeu para o cercado e mangueira do estabelecimento quando escassearam as munições.

Depois de uma lucta ingente, corpo a corpo, em que repelliram o inimigo em diversas sortidas, resolveram abrir caminho por entre os sitiantes, que por todos os lados cercavam o punhado de bravos que tão galhardamente ainda resistia com vantagem.

Tendo á frente Santos Filho, Firmino de Paula e o intemerato tenente-coronal Tristão Vianna, o terror dos adversarios, abriram passagem por entre mortífero fogo e retiraram-se em ordem, guerrilhando valentemente e conservando os perseguidores á respeitavel distancia.

Santos Filho, ferido a legua e meia do campo da acção, recolheu-se a uma casa, onde oppoz energica resistencia.

O official que o perseguia, homem valente e brioso, gritava em altas vozes que cessasse a resistencia, assegurando-lhe garantia de vida, bem como aos poucos companheiros que se tinham deixado ficar com elle.

Toda a munição elevava-se a 40 mil cartuchos e entretanto affirma o sr. Adriano terem sido encontrados no campo da acção mais de 42 mil capsulas!!!

Já haviam chegado a Cacequy, 874 homens quasi todos armados, faltando sómente 24 armas Comblain.

Sabemos que muitos dos soldados que ainda não se apresentaram em Cacequy já estão incorporados ao coronel Firmino de Paula, que, á frente de 1.400 homens, vem estacionar em diversos passos do Ibicuhy, impedindo a passagem do inimigo para a região serrana.

Na parte official diz o coronel Prestes Guimarães que tivera fóra de combate 60 homens, sendo 20 mortos e nessas forças 95.

Entretanto, diz agora o sr. Adriano que attingiram nossas perdas a 300 homens, tendo feito alguns prisioneiros, elevando-se as suas mortes a 27 mortos e 80 feridos.

O que é incontavel é que os prejuizos dos invasores foram consideraveis, ficando fóra de combate mais de 300 homens.

As vanguardas do general Lima e senador Pinheiro, que occuparam ha poucos dias Alegrete, encontraram ali cerca de 90 feridos, mais ou menos graves, e em telegramma ante-hontem publicado e de origem federalista, assegura-se existirem em Quarahy 80 feridos mais ou menos.

Essas noticias são confirmadas por alguns cidadãos chegados ultimamente d'aquella cidade.

É uma verdade contristadora que nenhum dos feridos republicanos conseguiu escapar á sanha infrene da castelhanada mercenaria, que, sequiosa de sangue, degolava infamemente os heroicos republicanos que ainda com vida haviam tombado no campo de lucta. Entretanto, com zelo hypocrita e pharisaico, imputa-nos o articulista a responsabilidade de imaginario assassinato consummado durante o combate. É muita coragem!!!

N'essa época já existiam em armas mais de 9.000 homens civis, sendo os unicos disciplinados os que acompanharam a columna do distincto general João Telles, que então perseguia o inimigo. É, portanto, irrisoria a affirmativa do improvisado chefe da proxima terminação das hostilidades, si porventura não contassemos com o apoio da força federal.

No meu curto passado de homem publico poderá o sr. Adriano beber inspirações de coherencia, altivez e dignidade política.

Estou certo que jámais me perdoarão ter resistido ao assedio de lisonjas em que procuraram envolver-me, quando, em divergencia com meus antigos companheiros, alimentaram a estupenda pretenção de conquistar-me.

Apezar de luctarmos com todos os elementos contrarios á Republica, existentes em nosso paiz e até mesmo no extrangeiro, entretanto, estou certo, esmagaremos os nossos inimigos e seus mercenarios auxiliares, firmando de modo definitivo a tranquilidade de nosso caro Estado e com ella a consolidação da Republica - Victorino Monteiro."

Fonte: A FEDERAÇÃO (Porto Alegre/RS), 06 de Maio de 1893, pág. 01, col. 03 à 05

Sobrenome Passos


"PASSOS ou PAÇOS - Sobrenome português toponímico. Aquele que procede do 'palácio real' (residência do rei) ou do 'palácio senhorial' (residência de um senhor feudal, de um fidalgo, nobre). Os portadores do sobrenome são tidos como originários da Galícia."

Fonte: FOLHA DE HOJE (Caxias do Sul/RS), 15 de Outubro de 1993, pág. 02

O Curupira - um estudo de 1887 - Parte 04 (Final)


"Em São Paulo (Itu, Campinas etc.) perdendo o nome de Çacy, toma o de Negrinho pastorejo, e para deixar de fazer diabruras não se lhe dá fumo mas sim velas que pelos campos, estradas e quintaes accendem quando d'elle querem obter protecção. É preciso dizer-se, que ahi em vez de ser um porte-malheur é antes milagroso. É crença que as velas que á elle se accendem não se gastam, porque com o seu barrete vermelho as apaga para leval-as para seu uso.

Quando entra pela província de S. Pedro do Rio Grande do Sul, é com o nome modificado em Negrinho do pastoreio, é então um Gavroche, que ninguém teme como á Kaapora, que tambem as vezes persegue os gauchos no macêgal das descambadas das coxilhas montado nos baguaes sem aperos.

Como paizes creadores, nas vastas campinas exerce o seo poderio e como entre o gado dê pancas, d'ahi veio o nome de 'negrinho do pastoreio', que significa o que vi e nos pastos, e não apascenta ou leva os animaes ao pasto, como em S. Paulo o faz pelas tikúeras.

Como vimos o Maty-taperê é o mesmo Çacy-saperé do Sul.

Maty é uma corruptella de Çacy, saperê o é de taperê, que já uma abreviatura de tapererê, que no Sul fazem sapererê.

Çacy significa a mãe das almas, como bem interpretou Baptista Caetano (hang-h-açã), e que concorda perfeitamente com as crenças amazonicas, onde tudo em todos os reinos da natureza tem uma mãe, (cy).

Taperê, deriva-se de tapeperê, de tape pe, no caminho, kê, ou , sahir, que por euphonia, muda o c em r.

Çacy-taperé, quer dizer a mãe das almas que sahe nos caminhos ou nas estradas.

É o numem viarum, de Marcgrave, o Macacheira o espirito dos caminhos do Padre Simão de Vasconcellos.

A corrente sempre crescente que vae levando de adulteração em adulteração o abanêenga, nhêengatu ou lingua geral, transformando pelo elemento estrangeiro todos os vocabulos a ponto de tornar alguns hoje desconhecidos, occasionou uma corruptella que dá lugar a fazer-se um só mytho de tres distinctos.

A interpretação, que dou por mais de um motivo, me parece ser a verdadeira: Primo, Çacy ou Maty, sómente pelas estradaas, caminhos e ruas, exerce seu poderio em todas as provincias; Secundo, a sua metamorphose, como o tenho verificado, em todas as provincias é sempre n'um passaro o Cuculus cayanus L. ou alma de caboclo, congenere e irmão do C. cornuus, segundo a lenda, o Uirapayé ou Tinkuan do Amazonas ou Alma de gato do Sul; Tertio enfim, os costumes, as formas, as côres do Çacy são as mesmas do Maty.

O viver do Çacy, occulto entre a folhagem secca, quasi da côr de suas pennas, assim como o seu canto, cujas notas nos illudem e que quasi sempre se ouve pela calada da noute, e raras vezes de dia, produzem nas pessoas nervozas, credulas e supersticiosas o mesmo effeito que o da Suinara (Strix furcata) e da Coruja (Strix clamator).

Conheço-o desde criança e o tenho visto pelas provincias porque onde tenho viajado.

Quando criança, com a imaginação cheia de contos, com que no berço me embalaram, quantas vezes não o tomei por encantado, depois de entrar pelos campos ou pelas matas ouvindo o seu cantar sem nunca poder vel-o illudido pelas suas notas, que ora me levavam para direita ora para esquerda, para frente e para traz!

Mas depois quantas vezes tambem ao erguer a sua crista, soltando de bico levantado as notas que me levariam para longe, não o atirei á meus pés, atravessado pelo chumbo da arma, para o escalpello da taxidermia tirar-lhe o encanto!

Não foi somente o canto, que parece dizer mesmo: Çacy-tapererê, que levou o indio a identifical-o com o Çacy anthropomorpho; foi tambem o habito de pousar sobre uma perna, pelo que, dizem, que o passaro é unipede.

Não é só no Brazil que esse zygodafilo é tomado como ave de máo agouro e como encarnação de um espirito máo.

No Paraguay e nas Goyanas é conhecido por feiticeiro e nuncio de infelicidades; em Cayenna tem o nome de Koukon-piayé.

Castelnau diz:

'Cet oiseau, est regardé, par toutes les tribus indiennes que s'étendent de Paraguay á la Guyane, comme étant de mauvais augure, et, dans toutes leurs langues il se trouve designé para les noms divers qu'elles appliment au mauvais esprit.'

Ouvi muitas vezes, no Rio de Janeiro, Minas Geraes e em outras provincias, dizer que á noute, quando o passaro sacode as pennas sahem fachos luminosos e phosphorescentes ficando no meio d'elles o seu vulto negro, como se fôra cercado por um resplandor de fogo.

Essa crença extende-se ao Amazonas e muitos affirmam ter presenciado o facto.

Existirá, com effeito essa phosphorescencia, ou será como o cheiro de enxofre que deixa, quando esconjurado, no dizer das velhas mineiras?

O Maty-taperê, não é, pois, mais do que o Çacy, esse estradeiro que tanto occupa a imaginação do tropeiro e boiadeiro, nos serões do fogo dos ranchos das estradas do sertão, e do tapuyo na rede do teyupar, levando este muitas vezes á loucura (Santarem).

A crença do Çacy ou Kaapora vulgarisou-se tanto como porte-malheur, que o vocabulo introduzio-se na linguagem brazileira, com tanta acceitação, que não ha quem não o tenha empregado nas diversas circumstancias da vida.

Como melhor não o faria, aqui transcrevo o que disse o Sr. Conselheiro Beaurepaire Rohan acerca d'esse mytho e de sua influencia.

A Kaapora aqui refere-se ao Çacy e á sua mãe.

'Caipora, s.m. e fem. (Geral). Nome de um ente phantastico, que, segundo a crendice peculiar a cada região do Brazil, é representado ora como uma mulher unipede que anda aos saltos, ora como uma criança de cabeça enorme, ora como um caboclinho encantado. Esses entes habitam as florestas ermas d'onde sahem á noute a percorrer as estradas. Infeliz d'aquelle que se encontra cara a cara com a Caipora. Nesse dia tudo lhe sahe mal, e outro tanto lhe acontecerá nos dias seguintes, em quanto estiver sob a impressão do terror que lhe causou o fatal encontro. Por extensão dá-se o nome de Caipora á pessoa cuja presença póde influir de um modo nocivo em negocios alheios; e tambem é caipora o individuo malfadao, aquelle que, apezar de sua moralidade, de suas boas intenções e do desejo de melhorar de posição, se vê constantemente contrariado em suas aspirações: Sou muito caipora.'

Da Kaapora veio o Caiporismo, que B. Rohan, assim tambem define:

'Má sorte, máo fado, infelicidade; estado d'aquelle que é constantemente contrariado em suas aspirações: É tal o meu caiporismo que n'aquella emergencia, em que me era tão necessaria a protecção de meus amigo achavam-se todos ausentes.'

O Sr. Emilio Allain, afastou-se de toda a crendice brazileira quando fallando do Kaápora diz: 'est un geant velu monté sur un énorme porc sauvage, et conduisant une troupe d'animaux de la même espèce, qu'il excite de temps en temps par ses cris'. Nunca ninguem lhe deu as proporções de gigante, antes dizem que é um anão.

Pelo que expuz, vê-se que tres mythos differentes, Korupira, Tatacy e Çacy ou Maty, têm sido confundidos sob a denominação de Kaapora, nome generico que quadra a toda essa familia mythologica.

Todos habitam o mato, porém a missão de um, o Korupira, é proteger as matas, as roças, e a caça: a do Çacy fazer malificios pelas estradas, e ainda a da Tatacy guardar os filhos, que em alguns lugares querem que sejam muitos, levando-os ás suas correrias.

A comparação das muitas lendas que tenho ouvido de todas as provincias e estados limitrophes, levou á convencer me que existem os tres mythos confundidos em um só.

Agora, ainda algumas linhas para concluir.

Muito propositalmente não dei até aqui a interpretação da palavra KORUPIRA, porque quiz familiarisar o benevolo leitor com o typo, para que conhecesse o seu aspecto, os seus costumes e o seu genio, nas differentes provincias, paa então abordar a questão etymologica.

Tres traducções se podem dar, porém uma não se harmonisa com a indole dos indios, admittindo-se que a palavra não esteja corrupta.

Kurupyra, kurupira ou korupira, póde ser: o pelle aspera, o sarnento, o tinhoso, o leproso ou pode ser o que vem à roça, ou o que jaz no mato.

Se dirivarmos de kuru ou kurub, sarna, lepra, aspero, e pyr, pelle, será o sarnento, se dirivarmos de ko, roça, u, vir e pira particula que passiva o verbo será, o que vem á roça, entrando o r por euphonia, e se dirivarmos de kaa, mato, u, jazer, e pira, será o que jaz ou vive no matto.

A primeira interpretação vae de encontro á tradicção e ás lendas; por estas poderá ser o pellado, o coxo, o pelludo, o dentuço, o pé torto, porém nunca o affectado de molestias de pelle.

A segunda maneira de traduzir a palavra, penso ser a verdadeira, não só porque vae de accordo com a tradicção, que muitas aventuras conta do mytho pelas roças, como concorda com a maneira de escrever do primeiro mestre da lingua o Venerando Padre Anchieta, que perpetuou o nome com o e não com u. O ter-se mudado aquella vogal para esta é facto commum entre nós, tanto que mais facilmente ouvimos pronunciar curação do que coração.

Posto que a terceira maneira de explicar o sentido da palavra pareça ser a verdadeira, porque mostra o lugar em que reside e exerce o seu poderio o genio indiano, com tudo a mudança de kurupira para karupira repugna a indole da ingua e á nossa phonetica, por não ser commum. Tanto assim é que, os indios e os civilisados ainda conservam a palavra karipyra com que designam outro mytho, sem ter soffrido a mudança do a para o.

Como depois veremos, o karipira é um gavião que vive n'agua e nas arvores, sempre á beira rio, pescando, e d'ahi vem o ser a palavra composta de kaa, arvore, mato, y ou ig, agua e pira."

Fonte: MUSEU BOTANICO DO AMAZONAS. Vellosia, 1887, volume 1Manaus/AM: Typographia do Jornal do Amazonas, 1888, pág. 106-109.

Sobrenome Corimbaba


"CORIMBABA - Sobrenome brasileiro, do tupi 'korim-mbaba', que significa valente e corajoso. Intrépido. Destemido."

Fonte: FOLHA DE HOJE (Caxias do Sul/RS), 17 de Julho de 1991, pág. 02

Massacre em Canelones


"Horroroso

No departamento de Canelones, Republica do Uruguay, foi covardemente assassinada uma familia composta do casal e 3 filhos.

As victimas chamavam-se: Agustin Traversi, italiano, 50 annos de idade; Rosa N. Traversi, italiana, esposa d'aquelle, 45 annos; Delphina Traversi, 18 annos, oriental; Adelia Traversi, oriental, 15 annos, e Candido Traversi, oriental, 7 annos.

O movel do crime foi o roubo, pois sabia-se que a familia Traversi tinha algumas economias e poucos dias antes do acontecimento havia apurado 800 a 1000 pesos na venda de productos da chacara que possuía.

Os criminosos não deixaram vestigio algum por onde a policia pudesse descobril-os.

Segundo as descripções que os nossos collegas de Montevideo fazem do local e os indicios que ficaram, bem como as declarações dos visinhos, entre os auctores do horrendo morticinio devia existir algum miseravel que fingisse íntima amizade com as suas victimas, pois nenhuma violencia se notava na porta da casa, que demonstrasse ter sido esta forçada.

A victima que menos ferimentos tinha era o menino Candido, com 4 punhaladas. A joven Delphina tinha 22 ferimentos!! O dono da casa apresentava 7 e a dona 5 e Adelia 8.

Até ás ultimas datas nada conseguira a policia descobrir quanto aos auctores do barbaro crime."

Fonte: A FEDERAÇÃO (Porto Alegre/RS), 27 de Abril de 1892, pág. 02, col. 02

sábado, 30 de maio de 2020

O Tarzan capixaba


"Aparece no Espírito Santo um 'Tarzan' autêntico

Rio, 21. (Meridional Brasileira). - Informa-se de Espírito Santo que, na Barra da Conceição, acaba de ser preso, nas matas de Mucurí, um indivíduo, que há longo tempo está segregado da sociedade, vivendo completamente nú, servindo-lhe de vestes a barba e os cabelos, que atingiram o máximo desenvolvimento. Êsse indivíduo não usa armas de especie alguma. Acredita-se que não saiba falar, pois apenas solta grunhidos e recusa os alimentos que lhe são oferecidos. Consta haver o moderno troglodita assassinado uma velha, que acreditam ser sua mãe. Confirma-se, assim, aquilo que acreditavam ser uma lenda."

Fonte: O ESTADO DE FLORIANÓPOLIS (Florianópolis/SC), 22 de Janeiro de 1940, pág. 01

Sobrenome Pacheco


"PACHECO - Sobrenome português e espanhol, provavelmente de origem toponímica. Os Pachecos procede de Fernão Jeremias, fidalgo principal do tempo do Conde Dom Henrique. O primeiro que assim se chamou foi Fernão Rodrigues Pacheco, que defendeu o Castelo de Celórico ao Conde de Bolonha, a serviço do rei Dom Sancho II. Não se tem concordância sobre a origem deste sobrenome."

Fonte: FOLHA DE HOJE (Caxias do Sul/RS), 15 de Outubro de 1993, pág. 02

O Curupira - um estudo de 1887 - Parte 03


"Na Bahia, transforma-se completamente e não só muda de nome como de sexo.

A Kaiçara, é uma pequena cabocla quasi negra, que não dispensa o porco para sua cavalgadura. É tambem a protectora do caçador, quando este lhe mostra fumo e torna-se o seu cabrion quando não lhe dá. Não só os cães, como o proprio caçador, quasi sempre são attrahidos para o centro das mattas, onde, são surrados com cipó de yapekanga, cujos espinhos dilaceram as carnes das victimas.

Posto que actualmente desapparecesse o nome de Korupira, e fosse substituido pelo de Kaiçara, comtudo elle ahi existio, como nos prova o veneravel Padre Anchieta, quando nos diz em Maio de 1550, que 'chamam Corupira, que attaca muitas vezes os indios no matto, batem-lhes com açoutes, machucam-n'os e matam-n'os. Por isso os indios costumam deixar em um determinado caminho, que vae ter ao mediterraneo por asperas brenhas, em todo o vertice de montanha elevada, quando por ahi passam pennas de passaros, abanadores, flores e cousas semelhantes, como uma especie de oblação, pedindo com instancias aos Corupiras que não lhes façam mal'.

Cortando a locomotiva das vias ferreas, os centros do Rio de Janeiro e Minas Geraes, e levando nos seus silvos o progresso e a civilisação, afugentou o Kaapora, que outr'ora habitava as suas florestas e fez com que elle se refugiasse nas furnas das mattas das montanhas do norte d'esta ultima provincia, nos sertões ainda incautos onde as vezes apparece ainda com o nome de Korupira.

Talvez que pela geada que cahe nas serras d'essa provincia, lhe crescessem novamente os pellos de que se cobre o corpo, para resguardal-o do frio quando no queixada (Dicotyles labiatus) atravessa os campos, em procura do fumo dos caçadores, ou os enganando e os fazendo correr atraz de veados imaginarios.

Sendo pregando peças aos caçadores, matando-lhes os cães, atravessa as provincias centraes, para chegar aos campos do Rio Grande do Sul, onde abandona a cavalgadura para andar só a pé, mas então com duplos pés para não se poder saber quando caminha para frente ou para traz.

Sempre é o fumo para o cachimbo que lhe adoça as iras, e com elle se compra a felicidade na caça ou a licença para poder correr as florestas que tem sempre o Korupira por protector.

No Paraguay o Kaapora tambem impera sob a forma de um tapuyo velho, e vae mesmo á Bolivia, estender seu dominio sobre as mattas e seus habitantes. Por toda parte leva a mulher Tatácy (Amazonas), Tatámanha (Pará), ou Kaapora, e seus filhos, mas raras vezes se apresentam juntos. Quazi sempre a mulher fica em casa, o que não acontece ao filho predilecto que exerce seu dominio pelas estradas, pelos caminhos, pelas ruas e pelas roças.

Como criança não mata, mas as suas judiarias são as vezes maleficas, e annunciam sempre infelicidades e desventuras. Como o pae, tambem muda de nome: no Sul é Çacy tapereré, no centro Kaipora, e no Norte Maty-taperé.

O civilisado, que muitas vezes não entende a pronuncia do sertanejo, que é o mais perseguido por elle nas suas viagens, tem lhe alterado o nome; já o fez Çacy-pererê, Saperê, Sererê, Sareré, Siriri, Matim-taperê e até já lhe deu um nome portuguez, o de Matinta-Pereira, que mais tarde, talvez, terá o sobrenome da Silva ou da Motta.

Para melhor conseguir seus fins, e fazer suas proezas, sem ser visto, quasi sempre vive o Çacy ou Maty methamorphoseado em passaro, que se denuncia pelo canto, cujas notas melancolicas, ora graves ora agudas, illudem o caminhante que não póde assim descobrir-lhe o pouso, porque, quando procura vel-o pelas notas graves, que parecem indicar-lhe estar o çacy perto, ouve as agudas, que o fazem já longe. E assim illudido pelo canto se perde, leva descaminho nunca vendo o animal.

Quando no Norte, os tapuyos, ouvem o canto do Maty-taperê, e no Sul, os roceiros ou o Kaipiras, o do Kaapora ou do Çacy-taperê; que o civilisado toma por alma de caboclo, os velhos o esconjuram; as crianças unidas conchegam-se ao collo das mães; estas arrepiadas, olham para os paes, que tremem, mas não negam o fumo, que espalham pelas cercas dos quintaes e pelas portas para que o Çacy se cale, e se retire, levando com que matar o vicio de cachimbar.

Quando se não apresenta aos viandantes, sob a forma de passaro, reveste-se da forma humana, e só (no sul) ou acompanhado de sua mãe, (Pará e Maranhão) percorre as ruas, entra pelos roçados, vae ás casas de farinha; penetra nas senzalas; aterrorisa os passageiros; rouba a mandioca; furta farinha e quebra os beijús no forno, proezas em que é destro no Rio de Janeiro.

No Amazonas e Pará é um karumi de uma perna só, de cabellos vermelhos, os quaes a civilisação transformou em barrete vermelho (Pará) sempre acompanhado de uma velha tapuya ou preta vestida de andrajos (tatámanha) que pela calada da noute, e, mesmo de dia assovia dizendo: Maty-taperê!

É um tapuyosinho triste, como o são todos e que não evacua nem urina.

Vulgarmente só se apresenta sobre a forma de um passaro, que se não vê, mas cujo canto só ouve e o seu esvoaçar se sente. Toma esta forma quando quer se ver livre dos rigores da mãe Tatámanha.

Querem alguns que o Maty-taperê, seja a velha e não o pequeno, porém o que é mais correcto no valle Amazonico é que esse passaro phantastico seja a methamorphose do filho do Korupira.

O sr. José Virissimo, do Pará, tratando ligeiramente do Maty-taperê, cita como o canto do passaro o seguinte, que diz ser resto de algum mytho:

Matinta Pereira
Papa terra já morreu
Quem te governa sou eu.

Observo aqui que Papa terra, é no Pará um passarosinho preto de crista comprida, do qual não ouvi lenda alguma.

No Maranhão, o Maty-taperê anda tambem acompanhado pela velha, a que dão o nome de Kaapora.

Ahi a Kaapora dos sertões tem azas e vive pelos roçados, e pelas estradas e caminhos.

O povo das cidades, já a toma para motivos de seus folguedos. Nas festas populares de S. João apparece sempre a Kaapora com o Bumba meu boi, attrahindo o povo que gosta e ri-se dos seus esgares e seus momices. N'essa festa se vê fundido o elemento portuguez com o indigena e africano.

Figuram a Kaapora com uma armação de páo, vestida, representando uma mulher de braços abertos, de azas, e coberta com um lençol e andrajos, sob o qual se esconde um homem, que lhe dá os movimentos e imita os tregeitos e o costume da verdadeira Kaapora.

O povo gosta d'essa figura, segue-a, procura chegar-se a ella; de repente foge, approxima-se outra vez, recúa, sempre rindo-se das duas pantominas e gritando em côro:

'Assim Ceriema.
Bate as azas, vae-te embora'.

Ou então:

'Assim, Kaapora.
Larga a perna, vae-te embora'.

Em Sergipe é um moleque muito preto, com carapuça de latão, que tambem para obter fumo para seu cachimbo faz as maiores tripolias. Já esse mytho ahi está fundido com os contos portuguezes do cyclo de Gargantua, e apparece no conto do Manoel da Bengala referido em Coimbra sob o titulo A Bengala de quatro quintaes.

No Ceará a Kaapora, dá motivos tambem a uma festa quasi igual á do Maranhão, que se effectua tres dias antes e tres dias depois do dia de Reis. É a festa mais concorrida do sertão. A Kaapora faz parte do prestito do Bumba meu boi; é companheira do Privilegio ou José do Abysmo, da Burra, da Ema e dos Vaqueiros que fazem pelas estradas os maiores tregeitos, folgando e dançando, sempre dirigidos pelo homem da burra e tocados pelas vaias e pelas gargalhadas dos patuscos que os seguem; es gritos de:

'Chô, Ema! Sacode as pennas!'

ouvem-se por toda a parte, no meio dos assovios e das rizadas, quando ella experta os vaqueiros, sacudindo as palhas de carnauba com que cobre.

A Kaapora já ahi, em alguns lugares, não representa a mãe e sim o proprio Çacy como em Sergipe. É um menino com uma urupema na cabeça coberto por uma saia ou lençol, de sob o qual sahem duas varas formando braços.

Em Ilhéos (Bahia), o Maty ou Çacy, tem o nome de Kaapora, e diz que onde se apresenta é sob a forma de uma cabocla moça, clara e bonita.

Não sei porque em Ilhéos, toma o Çacy essa fórma. Não será a mãe Kaapora, porque em todo o sertão da Bahia, o Kaapora é representado como bem a descreve nos Cantos do Equador o distincto amigo e poeta Mello Moraes Filho?

Aqui reproduzo a sua lenda:

O CAIPORA

É caboclinho feio
Alta noite na matta a assoviar
Quando alguem o encontra nas estradas
Saltando encruzilhadas
Se põe a esconjurar!

É alma de um tapuyo
Fazendo diabruras no sertão...
Cavalgando o queixada mais bravio,
Transpõe valles e rios
Com um cachimbo na mão!

Assombro das manadas,
Enreda a onça em mattos de cipó;
De montanha em montanha vae pulando,
Vae quasi que voando,
Suspenso n'um pé, só!

Ao pobre viandante
Assombra e ataca em meio do caminho;
E pede fumo e fogo, e sem demora
Lhe mostra o Caipora
Seu negro cachimbinho.

Servido no que pede,
A contas justas, safa-se a correr...
Do contrario, se fica descontente,
De cocegas a gente
Faz rir até morrer!

É caboclinho feio.
Alta noite na matta a assoviar
No Norte, diz o povo convencido:
- Não indo prevenido
Não é bom viajar!

A Kaapora, mãe do Çacy, como no Maranhão, entra como episodio nas poesias populares da Bahia. No dia de Reis, sahe á rua, acompanhada pela molecagem, que a acompanha a gritar, cantando:

'Assim, Kaipora,
Feliz dô-dô!'

É a mesma do Maranhão, porém, sem azas, e coberta de esteiras e lençóes. A musica que acompanha sempre essas festas é composta de maracás, tambores e canzás ou caracachás.

No Rio de Janeiro, onde a onda negra mais estragos fez, onde pelos rincões o cancro da escravidão mais tem corroido, o Çacy-tapererê, que por uma syncope passou a ser saperê e que os negros fizeram sererê e siriri tomou a côr negra e usou o barrete vermelho, que os africanos recebiam nos armazens do Vallongo, do Cajú e nos das costas da Marambaia. Assim o Çacy passou a ser molequinho cóxo, ferido nos joelhos, porém mais vivo e activo do que o caboclo.

Verdadeiramente moleque ou garoto, como é em geral o crioulo.

Na estrada real de S. Cruz, na fazenda do Capão do Bispo, morgado dos Furtados de Mendonça, muitas vezes ahi ouvi dizer-se que o Caapira, ainda reminiscencia corrupta do Korupira, tinha por companheiro o Çacy-pererê, passaro de um pé só, que alta noite vagabundêa pelas estradas, cantando:

'Çacy-pererê minha perna me dóe.'

O Sr. Felix Ferreira, disse e Eduardo Perié repetiu no seu livro e A litteratura brazileira nos tempos coloniaes, que na fazenda de Sta. Cruz, é crença geral que o Kaapora tem por companheiro o Çacy, que canta 

'Sacy Pereira minha perna me dóe.'

O Çacy quando ahi sahe do matto, não é para fazer propriamente malificios, e se algum acontece, é resultado das suas molecagens. Só quando toma a fórma de passaro, torna-se agoureiro ou faz infeliz aquelle que persegue, porque então, querem que seja a alma de um caboclo transformada em passaro; por isso o chamam tambem, como já vimos, alma de caboclo.

Como passaro, canta do mesmo modo que o Maty, e tem todos os seus costumes.

Assim quando pelas fazendas e sitios nos serões, se faz farinha, o Çacy apenas vê a forneira só, vem lhe pedir farinha ou joga-lhe cinzas nos olhos para furtar-lhe a crueira, pelas estradas procura as encruzilhadas e trepa nas porteiras e nos copins para transviar os viajantes, e espantar as tropas.

Quando passam as porcadas, monta n'um para estramalhal-as, desesperando assim os tropeiros, que tem de campear os lotes, arrecadar as cargas jogadas pelo campo e arreiar de novo as bestas.

No centro e no norte de Minas Geraes onde o elemento indigena não se deixou assoberbar pelo africano, o Çacy apparece outra vez como um caboclinho de pés bifurcados fazendo as diabruras que faz o molequinho na mata do Rio, sempre de cachimbo no canto da bocca, pitando o fumo filado aos pobres viajantes, e furtando a comida dos escravos pelas senzalas.

Nos terrenos auriferos mora em geral nas betas e nas catas abandonadas, ou nas grunhas das montanhas, longe dos ribeirões, que não atravessa, por não gostar d'agua corrente; sahe para correr os pastos e ahi cavalgar os animaes, levando em correrias toda a noute fazendo com que os pobres tropeiros de manhã os encontre desbarrigados.

Nas noutes brumosas, quando os valles e os gupiaras se cobrem com aquella nevoa branca e floculosa, que, vista das serras, parece um mar de algodão batido, é quando elle gosta de perseguir os animaes trançando-lhe as crinas e os escondendo para que os campeiros não os encontrem e curtam o frio da gelada madrugada campeando em vão a madrinha de sua tropa.

Que se transforma em homem, e veste-se de rodaque para andar pelas casas de jogo, ou seduzir o sexo fraco, o affirmam muitos.

Que tem medo de esconjuros, de rozarios e orações, sempre as velhas me disseram, e quando ellas avistam alguma moça magra, pallida e triste logo dizem: 'é obra do Çacy', porque affirmam, que as moças se apaixonam por elle, com elle se amancebam, sendo a morte sempre a consequencia d'esse amor criminoso; d'ahi vem a chula que ao som da azinhavrada viola, enfeitada de fitas, canta o Kaipira nos requebros do katereté:

Menina, minha menina,
Quem te fez tão triste assim,
De certo foi o Çacy
Que flor te fez do seu jardim.

Os amores do Çacy
Trazem a morte a seu bem;
Reza á Nossa Senhora
Que te livre do mal; amen.

Outr'ora pelas festas de Reis, houve tambem no Rio de Janeiro o Bumba meu boi, mas nunca vi nelle tomar parte o Çacy."


Fonte: MUSEU BOTANICO DO AMAZONAS. Vellosia, 1887, volume 1Manaus/AM: Typographia do Jornal do Amazonas, 1888, pág. 94-99.

Sobrenome Castilho


"CASTILHO - Sobrenome toponímico de origem espanhola. Significa castelo. Foi uma denominação comum de famosos arquitetos espanhóis que no século XVI se transferiram a Portugal.

As duas primitivas linhagens espanholas dos Castilhos procedem de uns navegantes naturais de Begoña, no País Basco. O primeiro que se conhece foi Juan Sanchez del Castillo. É seu solar o Castillo Pedroso, nas Astúrias. João de Castilho e Diogo de Castilho foram os primeiros que passaram ao reino de Portugal no tempo do rei Dom João III.

Muitas ilhas e portos tem o nome de 'Castilho' ou 'Castillo' (no caso espanhol).

Personalidades: Adriano Ernesto de Castilho, jurisconsulto português (1800-1857); Alexandre Magno de Castilho, escritor e jornalista português (1830-1860); Augusto de Castilho, oficial da marinha portuguesa (1841-1912); José Feliciano de Castilho, jornalista e escritor português (1810-1879); José Feliciano de Castilho, médico e escritor português (1769-1826); Julio de Castilho, escritor e erudito português (1840-1919); Júlio Prates de Castilhos, político brasileiro (1860-1903).

Formas portuguesas: Castilho, Castilhos. Formas espanholas: Castillo, Castillos, Del Castillo."

Fonte: FOLHA DE HOJE (Caxias do Sul/RS), 07 de Junho de 1991, pág. 03

Manoela da Silva Panichi


"Registro mortuario

(...)

No dia 16, ás 7 horas da manhã, falleceu, em S. Amaro, d. Manoela da Silva Panichi, presada esposa do nosso co-religionario Nicoláo Panichi.

D. Manoela exercia ali o magisterio ha cerca de 30 annos, tendo sempre merecido de todos a maior estima e consideração pelas suas virtudes.

Ao desolado esposo as nossas condolencias."

Fonte: A FEDERAÇÃO (Porto Alegre/RS), 20 de Agosto de 1891, pág. 01, col. 02

sexta-feira, 29 de maio de 2020

A Lenda da Lagoa Vermelha


"A Lenda da Lagoa Vermelha

Por LENY DAL MOLIN
do 'Eco Lagoense'

Nos tempos em que Lagoa Vermelha não passava de uma linda colina; colina essa parecendo mais revestida de um tapete verde, no qual o 'Supremo Artista', com seu divino pincel traçou maravilhosas paisagens, pouco além dessa colina, num núcleo de casinhas surgidas pelo labutar contínuo de homens esforçados, está uma magestosa lagoa, que reflete em suas límpidas águas e abóboda celeste em todo seu esplendor e serve como abastecimento aos moradores.

Essa lagoa que sempre tivera suas águas límpidas, é hoje encontrada com águas turvas. E por que? Eis a nossa lenda.

Lenda essa que, tem início na época em que os Jesuítas como bandeirantes transpunham vales, escarpavam montanhas, enfrentavam toda a sorte de intempéries com a finalidade única de conquistar almas para o reinado de Cristo.

Como sempre se tem visto nas narrações, é de lamentar que, desde aquela época, nem todos recebiam esses que chamavam de estrangeiros os quais nada queriam para si e sim, junto com a paz de espírito, levar um pouco de conforto material aos habitantes que viviam em grupos isolados.

Esses pioneiros incompreendidos foram perseguidos e tiveram que viver quais cães pelos pampas descampados durante longo tempo. Certa noite brumosa de inverno, com uma neblina que parecia penetrar no âmago dos ossos, os Jesuítas foram descobertos e tiveram que abandonar rapidamente seu refúgio. Apressadamente apanharam alguns víveres, seus objetos mais caros e ouro colocando-os sôbre seus burrinhos e iniciaram a fuga desorientados por caminhos desconhecidos.

Devido á escuridão da noite e á umidade não divisavam os lugares por onde passavam e dessa forma penetraram na lagoa. Sem tempo para refletir e com seus perseguidores perto, foram entrando sempre mais, mais; com a esperança que estivessem atravessando um córrego e que logo se livrariam dos que estavam em seu alcance.

Sem saber onde se encontravam, aflitos e cansados fustigavam cada vez mais seus burrinhos; eis que de repente sentiram que seus perseguidores paravam e um silêncio prolongado seguiu uma algazarra. Os Jesuítas pensando estarem a salvo mais entraram na lagoa e eis, que dos companheiros solta um prolongado gemido e desaparece; quando atinaram já era tarde, pois foram todos tragados pelas límpidas águas da lagoa que desde então, tornaram-se avermelhados como num protesto à injusta perseguição aos abnegados Jesuítas. Desde lá todos os esforços para secá-la tem sido baldados, pois no seu seio repousam os restos mortais dos amigos, Jesuítas."

Fonte: O PIONEIRO (Caxias do Sul/RS), 13 de Setembro de 1952, pág. 06

Sobrenome Ourém


"OURÉM - Sobrenome português toponímico. É uma espécie de uva. É também vila do Concelho de Vila Nova de Ourém, em Portugal, famosa por seus monumentos."

Fonte: FOLHA DE HOJE (Caxias do Sul/RS), 15 de Outubro de 1993, pág. 02

O Curupira - um estudo de 1887 - Parte 02


"O mesmo tambem o denomina Caapora e aceita a opinião de Vasconcellos, fazendo-o genio dos pensamentos.

Nenhuma lenda confirma essa opinião.

O cantor dos Timbiras assim descreve o Kaapora:

'O Caapora (vulgarmente caipora) veste as feições de um indio, anão de estatura, com armas proporcionadas ao seu tamanho, habita o tronco das arvores carcominadas para attrahir os meninos que apanha desgarrados nas florestas. Outras vezes divaga sobre um tapyr, ou governa uma vara de infinitos kaititus cavalgando o maior delles.

Os vagalumes são os seus batedores, e tão forte é o seu condão, que o indio que por desgraça o avistasse, era mal sucedido em todos os seus passos.' Magalhães seguio tambem a mesma opinião de Simão de Vasconcellos tanto que Aimbire quando dirige-se ao pagé que o aconselha:

'Procurar outra terra mais remota'

Brada:

'Tudo deixar?... Fugir? Mas tu deliras!...
Fugir?... Que Curupira malfasejo.
Inspirou-te tão baixos pensamentos?...'

O autor do Diccionario Braziliano, o sabio Frei Velloso, a quem a botanica brazileira tanto deve, admitte não sem razão, que Korupira é o demonio do matto, como se vê no dito diccionario publicado em 1795.

Dizem que quando o individuo vê-se perdido no matto, encantado pelo Korupira, para quebrar o encanto que faz esquecer completamente o caminho, deve fazer tres pequenas cruzes de páo e collocal-as no chão triangularmente, (Rio Negro); ou fazer outras tantas rodinhas de cipó que collocará tambem no chão (Rio Yuruá e Solimões) e que o Korupira dá-se ao trabalho de desfazer ou então fazer ainda pequenas cruzes de kauré que atira pelas costas (Rio Tapajóz). O Korupira tambem persegue os caçadores em casa com os seus assovios (Rio Negro) e para o fazer calar-se basta bater-se em um pilão.

Quando o Korupira atravessa o Gurupy e entra no Maranhão, não muda de nome, mais ahi, de preferencia mora no grelo dos Tucunzeiros e procura as margens do rio para pedir fumo aos canoeiros, e virar-lhes as canoas quando não se lhes dá, fazendo as mesmas correrias pelos mattos, onde têm as mesmas formas com que se apresenta no Amazonas.

Atravessando pelo Rio-Grande do Norte e pela Parahyba, toma então o nome de Kaapora; torna-se inimigo dos cães de caça e affecta a forma de qualquer animal afim de attrahil-os para o centro dos mattos, onde ou os açoita com cipós ou os mata. Outras vezes obriga os cães a correr atraz delles, para fazer com que os caçadores os sigam; desapparecendo de repente, deixa os cães tontos e os caçadores perdidos. N'estas provincias quase sempre anda a cavallo n'um veado, ou num coelho. Indo o caçador munido de fumo e encontrando o Kaapora, se este pedir-lhe e for satisfeito pode contar que será d'ahi em diante feliz na caça.

No Ceará conserva o nome de Kaapora porem ahi muda de aspecto, perde o pello do corpo que transforma-se em cabelleira, de cabelos hirtos; apresenta dentes afiados como os de guaribas e olhos como brasas; sempre que sahe das mattas da serra monta n'um taititú, com uma chibata de yapekanga (Smilax Brasiliensis Spreng) na mão.

Avistando o caminhante começa logo a cantar:

Currupá papaco!
Currupá papaco!

Creio que essa cantiga é de importação portugueza, porque os degredados que depois de 1564 começaram a vir para o Brazil principalmente Açorianos, que ainda no começo deste seculo vieram para o Amazonas, cantavam:

Algum dia ja cantei
Hoje em dia não canto mais.

Pacos pacos papacos
Rupa pacos
Pacos pacos papacos
Rupa pacos

Cantiga que os sertanejos ensinam ás kurikas e papagaios e que estes levaram para o Sul onde quase todos os papagaios isso cantam. Em Inhamuns, sertão do Ceará e outros lugares, da mesma provincia as sertanejas terminam a cantiga ensinando os papagaios a dizer:

Curupá papaco,
Curupá papaco,
Não me pegue no tabaco!...

Isso se refere ao fumo que no Norte só se conhece por tabaco, que o Kaapora pede, porém os maliciosos, levam o significado da palavra para outro lado.

N'essa provincia não perdôa ao caçador, que, sem o seu consentimento invade-lhe os dominios, licença essa que é facil de se obter mediante um pouco de fumo. Favorece-lhe a caça, mas recommenda que não a fira e sim a mate, para não lhe dar o trabalho de andar procurando plantas medicinaes com que cure os ferimentos.

Na provincia de Pernambuco reapparece o Korupira, como synonimo de Kaapora, e em alguns lugares tem um só pé, esse mesmo redondo. Anda a cavallo n'um veado e por chicote traz um galho de yapekanga. Tem comsigo sempre um cão chamado Papa-mel. É então um caboclo pequeno coberto de cabellos, que dizem ser a personificação da alma de caboclo pagão.

Como em toda a parte é o protetor da caça, cuja destruição evita, mas n'essa provincia nem sempre torna infeliz aquelles que o encontram. Para captar-lhe a sympathia basta um presente de fumo.

Com isso tem por protector o mesmo Korupira, que surra os cães dos caçadores sovinos e os deixa depois amarrados para morrerem á fome.

Entre muitos factos passados n'essa provincia com caçadores protegidos pelo Korupira, citarei este: um homem costumava levar mingáo todas as noutes a um Korupira, porém este, encontrando uma vez o mingáo com pimentas, que a mulher do caçador tinha posto, deu uma surra no homem e nunca mais o protegeo.

Em outros lugares, tambem de Pernambuco, o Korupira por uma excepção, é representado por um pequeno gentio de cocar e fraldão de pennas, armado sempre de arco e flechas.

Como melhor não descreveria o que é esse mytho em Pernambuco, e quaes os seus costumes e a sua indole aqui reproduzo uma poezia popular, com que, do Recife, me obsequiou o meu amigo Dr. Regueira da Costa:

O KORUPIRA

De dia não busca a estrada
O guerreiro Korupira,
Porque dorme o somno solto
Á sombra da sukupira.

Mas de noite, quando a lua
Prateia as aguas da fonte,
E a fresca brisa sussura,
Eil-o que surge do monte.

Montado n'uma queixada,
Rompe do bosque a espessura;
Da onça não teme as garras,
Tendo trez palmos de altura!

Da yaindaya a verde pluma
Na fronte relúz, ondeia;
O arco, as pequenas flexas,
Garboso nas mãos meneia.

Assim anda, pula e corre
De noite pelas estradas:
E após si em tropel marcha
Uma vara de queixadas.

O grunhido, o som dos passos
O estalar dos rijos dentes,
Quebranta a mudez da selva,
Acorda os pobres viventes.

Pula aterrado o macaco.
Verga a folha das palmeiras;
Sai a cotia da toca,
Foge do matto às carreiras.

Quando encontra o Korupira
No caminho um viajante, 
Pára de pressa, e atrevido
Oppõe-se a que marche avante.

Irado, salta do peito
Agudo silvo estridente:
E logo em volta se ajunta
A sua guerreira gente.

Os olhos tornão-se brazas:
Põem-se em ordem de batalha;
O queixada amola os dentes
Que cortam como navalha.

Ai! do pobre caminhante,
Se o temor o tem tomado:
Perde a falla, fica escravo,
Sendo em porco transformado!

Mas, se investe os inimigos,
E de nada se apavora,
De repente o Korupira
Pelo valor se enamora!

Da peleja cede o campo,
E reparte o seo thesouro:
Ricas pedras de brilhantes,
Rubins, esmeralda e ouro.

Em Sergipe, o Kaapora anda sempre pelas estradas pedindo fumo aos viajantes para o seu cachimbo, e quando se lhe não dá mata-os a poder de cocegas. Em ar de brincadeira, faz rir o viajante até cahir morto."


Fonte: MUSEU BOTANICO DO AMAZONAS. Vellosia, 1887, volume 1Manaus/AM: Typographia do Jornal do Amazonas, 1888, pág. 94-99.