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terça-feira, 17 de setembro de 2019

O suplício do escravo Domingos



"Por notavel coincidencia, ao mesmo tempo que recebiamos de um prestimoso collaborador o artigo estampado em nossa primeira pagina sobre o 25 de março, dia escolhido para redimir os ultimos escravos no Ceará, tambem nos vinha ás mãos a carta de um distincto amigo narrando o seguinte hediondo caso:

A duas legoas, mais ou menos, da villa de S. Jeronymo, na fazenda do sr. Demetrio Pereira do Lago, foi barbara e deshumanamente torturado, o escravo Domingos, de propriedade d'esse mesmo sr. Demetrio.

O crime revestio-se das circumstancias que seguem:

A desgraçada victima foi amarrada em tronco especial e ahi sujeita a centenares de açoites.

Depois, em estado inanime, quando já estavam as carnes saltando em pedaços, pois tinha nas costas rombos enormes, ainda foi, por meio de correntes, ligada á um montão de ossos podres cobertos de vermes, que logo se puzeram em communicação com as immensas chagas que sangravam no corpo d'essa miseravel creatura.

Ainda assim os algozes, não satisfeitos com tudo isso, a tiraram d'esse leito infernal para collocarem-n'a novamente no tronco, até que ahi, sem comer nem beber, a morte viesse finalisar semelhante martyrologio.

Porém os proprios parceiros de Domingos, apezar de toda timidez, não se supportaram á vista de tão horrorosas scenas e o soltaram, favorecendo-lhe a fuga.

Esse infeliz dirigio-se para esta capital afim de apresentar-se ás autoridades.

Consta-nos mais que seu senhor tambem para aqui veio, e o amigo que escreveu-nos diz estar elle confiado em valiosos amigos d'esta cidade."

Fonte: A FEDERAÇÃO (Porto Alegre/RS),  27 de Março de 1884, pág. 02, col. 01