Em boa medida, porém, já a partir de 1860 o militarismo dividiu espaço com o jogo político; e durante esse jogo sobressaíram, novamente, as peculiaridades regionais.
Nos quinze anos imediatos à Revolução, houve uma espécie de prostação política, em parte porque as hostilidades ainda estavam muito vivas, na memória de todos os rio-grandenses; em parte porque a discussão pública podia trazer de volta, à memória dos brasileiros, a identificação da Província com republicanismo e separatismo, o que era prudente evitar; em parte porque a Guerra de Oribe e Rosas impusera ao Rio Grande do Sul novos sacrifícios humanos e novas dificuldades de ordem econômica - e, diante da necessidade de recuperação, o confronto político só poderia resultar, de fato, em graves prejuízos. (Inclusive no âmbito, digamos, intelectual, há um exemplo dessa restrição: Domingos José de Almeida, considerado 'o cérebro' da Revolução Farroupilha, nesse período chegou a anunciar, na imprensa, que publicaria uma história da Revolução, mas logo desistiu do empreendimento, atendendo a sugestões de amigos).
Predominou, por tudo isso, até findar a década de 1850, o espírito de conciliação, de acomodação, de concórdia. Para unir liberais e conservadores (em substituição ao Partido Conservador e ao Partido Liberal) surgiu a chamada Liga, em 1852, logo após o conflito no Prata; em seguida - e no mesmo ano - a Contra-Liga, origem do Partido Liberal Progressista, mas que de fato apenas uniu os dissidentes da Liga, sem a marca de uma definição ideológica, conservadora ou liberal.
Em 1860, organizou-se o Partido Liberal Histórico, graças à iniciativa de Félix da Cunha e ao apoio de personalidades como o general Osório e o conselheiro Gaspar Martins (que seriam os dois chefes do partido após a morte de Félix da Cunha, em 1865). A essa agremiação se filiaram alguns membros do Partido Liberal Progressista, enquanto outros, que nele permaneceram, depois passaram à militância do Partido Conservador, reorganizado em 1868. Foi em 1863 que o Partido Liberal Histórico apresentou o seu programa, verdadeiramente reformista, já que incluía, entre outros princípios, a abolição da vitaliciedade do Senado, a eleição direta, o serviço militar obrigatório e a defesa do federalismo - o mais legítimo anseio da epopeia dos Farrapos.
Reorganizado o Partido Conservador, em 1868, e depois de finda a Guerra do Paraguai, em 1870, passou a ser incontestável, no Rio Grande do Sul, a supremacia do Partido Liberal Histórico - agora simplesmente Partido Liberal. Seu grande reduto eleitoral, desde a fundação, era o 2o. distrito, composto por quase todos os municípios da região sul da Província, além de Cruz Alta e Passo Fundo. No 1o. distrito, quase todo composto por municípios da região norte, a maioria dos deputados que se elegiam (provinciais e gerais) eram 'progressistas' e, agora, conservadores. (Gaspar Martins, num discurso de 1866, acusava os progressistas de caluniarem 'vergonhosamente aos representantes do 2o. distrito: a uns dizem que temos a pretensão de mudar a capital da Província para Pelotas, a outros declaram que vamos empregar todos os rendimentos da Província no 2o. distrito; ao governo finalmente dizem que neste tempo de guerra nacional, vamos suscitar questões odiosas e incitar à rebelião').
Passaram a vigorar, então, as peculiaridades regionais: enquanto que nas outras províncias revezavam-se, nas assembleias, maiorias conservadoras e liberais - a exemplo da Câmara dos Deputados, a exemplo de todos os gabinetes do Segundo Reinado -, no Rio Grande do Sul as maiorias eram sempre liberais; e se acaso o presidente da Província fosse do Partido Conservador (uma vez que era nomeado pelo governo geral), teria que enfrentar a forte oposição da bancada liberal na Assembleia rio-grandense.
Mas, embora se mantivesse majoritário, no legislativo, até o final do Império, o Partido Liberal enfrentou uma cisão, que é importante mencionar, a partir de fevereiro de 1879. Nesse momento os seus dois líderes, Manuel Luís Osório e Gaspar Silveira Martins, eram ministros do Império, no gabinete Sinimbu (de 5 de janeiro), ocupando respectivamente as pastas da Guerra e da Fazenda. Discutia-se, na Câmara, a reforma eleitoral, quando Gaspar Martins manifestou-se publicamente pela extensão dos direitos políticos aos estrangeiros e acatólicos - com a intenção (parcial, é claro) de ampliar, no Rio Grande do Sul, a aceitação dos liberais no 1o. distrito, que, como vimos, era composto pelos municípios da região norte da Província, por sua vez habitada por um grande número de acatólicos (os protestantes alemães) e de estrangeiros (os recém-chegados imigrantes italianos), até então sem direito de voto.
Osório, acompanhando a maioria dos ministérios, declarou-se contrário a essa medida, mas apenas temporariamente, considerando que o governo recém enfrentara a chamada Questão Religiosa e não era oportuno inaugurar, agora, uma nova frente de combate coma Igreja Católica.
Silveira Martins renunciou ao ministério e passou a insultar, publicamente, o general Osório. O herói da Guerra do Paraguai em nenhum momento se defendeu, confidenciando aos amigos que, para isso, 'seria obrigado a condenar o Martins, a quem sempre considerei como filho e a quem dei posição'; ou então argumentando: ' - Eu, que levei toda a vida a dizer que o Martins era um semideus, como irei agora dizer que ele é um diabo?'.
Osório, desgostoso com o rumo dos acontecimentos, morreu em 4 de outubro de 1879, aos 71 anos de idade. Foi defendido brilhantemente, oito meses depois, pelo filho primogênito, deputado geral Fernando Luís Osório, na sessão de 11 de junho de 1880 da Câmara dos Deputados.
Nessa ocasião já havia surgido a chamada Dissidência Liberal, liderada por Fernando Osório e pelo médico Luiz da Silva Flores Filho. No âmbito nacional, essa facção teve um êxito imediato, conseguindo a substituição do presidente da Província, Felisberto Pereira da Silva, gasparista, por Carlos Thompson Flores, osorista.
Mas a reforma eleitoral, incorporando a ideia de Gaspar Martins, seria aprovada, através da lei Saraiva, em 1881 - num momento em que já estavam superados os conflitos com a Igreja. Igualmente superados, então, os motivos que haviam gerado a dissidência liberal, ela acabou perdendo força, restabelecendo-se, em quase toda a sua plenitude, no Rio Grande do Sul, a liderança de Gaspar Martins.
Só mais adiante, no decorrer da República, esse episódio de 1879, como bomba de efeito retardado, vai produzir a sua grande consequência: o alinhamento político permanente de importantes municípios da metade sul - como Pelotas e Jaguarão - com o Partido Republicano Rio-Grandense, de Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, e não com o Partido Federalista, de Gaspar Martins, ou a Aliança Libertadora, de Joaquim Francisco de Assis Brasil. Não com os maragatos ou os libertadores, como se poderia esperar de quase todas as cidades do 2o. distrito: com os pica-paus e, depois, com os chimangos.
(...)
Em julho de 1889, Gaspar foi nomeado presidente da Província; quatro meses depois, dirigia-se à Corte quando foi surpreendido, na cidade de Desterro (atual Florianópolis), com a notícia da proclamação da República. Em seguida, com a notícia, ainda mais surpreendente, do seu próprio desterro, do seu próprio desterro: era o único brasileiro que o governo republicano mandava para o exílio, à exceção óbvia da Família Imperial e do Visconde de Ouro Preto, primeiro-ministro do último gabinete.
Por quê? Simplesmente porque era inimigo pessoal - fidagal, como se dizia - do marechal Deodoro da Fonseca, que no dia 15 de novembro de 1889 resolvera se erguer do seu leito de enfermo; tropeçando nas orientações de monarquistas e republicanos, havia derrubado o Império."
Fonte: MAGALHÃES, Mario Osorio. História do Rio Grande do Sul (1626-1930). Pelotas/RS: Armazém Literário, 2002, pág. 68-73.
Osório, desgostoso com o rumo dos acontecimentos, morreu em 4 de outubro de 1879, aos 71 anos de idade. Foi defendido brilhantemente, oito meses depois, pelo filho primogênito, deputado geral Fernando Luís Osório, na sessão de 11 de junho de 1880 da Câmara dos Deputados.
Nessa ocasião já havia surgido a chamada Dissidência Liberal, liderada por Fernando Osório e pelo médico Luiz da Silva Flores Filho. No âmbito nacional, essa facção teve um êxito imediato, conseguindo a substituição do presidente da Província, Felisberto Pereira da Silva, gasparista, por Carlos Thompson Flores, osorista.
Mas a reforma eleitoral, incorporando a ideia de Gaspar Martins, seria aprovada, através da lei Saraiva, em 1881 - num momento em que já estavam superados os conflitos com a Igreja. Igualmente superados, então, os motivos que haviam gerado a dissidência liberal, ela acabou perdendo força, restabelecendo-se, em quase toda a sua plenitude, no Rio Grande do Sul, a liderança de Gaspar Martins.
Só mais adiante, no decorrer da República, esse episódio de 1879, como bomba de efeito retardado, vai produzir a sua grande consequência: o alinhamento político permanente de importantes municípios da metade sul - como Pelotas e Jaguarão - com o Partido Republicano Rio-Grandense, de Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, e não com o Partido Federalista, de Gaspar Martins, ou a Aliança Libertadora, de Joaquim Francisco de Assis Brasil. Não com os maragatos ou os libertadores, como se poderia esperar de quase todas as cidades do 2o. distrito: com os pica-paus e, depois, com os chimangos.
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Em julho de 1889, Gaspar foi nomeado presidente da Província; quatro meses depois, dirigia-se à Corte quando foi surpreendido, na cidade de Desterro (atual Florianópolis), com a notícia da proclamação da República. Em seguida, com a notícia, ainda mais surpreendente, do seu próprio desterro, do seu próprio desterro: era o único brasileiro que o governo republicano mandava para o exílio, à exceção óbvia da Família Imperial e do Visconde de Ouro Preto, primeiro-ministro do último gabinete.
Por quê? Simplesmente porque era inimigo pessoal - fidagal, como se dizia - do marechal Deodoro da Fonseca, que no dia 15 de novembro de 1889 resolvera se erguer do seu leito de enfermo; tropeçando nas orientações de monarquistas e republicanos, havia derrubado o Império."
Fonte: MAGALHÃES, Mario Osorio. História do Rio Grande do Sul (1626-1930). Pelotas/RS: Armazém Literário, 2002, pág. 68-73.