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quarta-feira, 24 de abril de 2019

Jogo do bicho em Pelotas em 1900!


"O jogo do bicho em Pelotas

Pelos telegrammas e noticias anteriores d'esta folha, já os leitores estão inteirados dos successos occorridos em Pelotas, relativos á prisão do bicheiro Rosauro Zambrano.

Este, confiando na sua fortuna e nas suas poderosas relações sociais, bancava alli o bicho, escandalosamente, e continuou a fazel-o com maior ostentação ainda, depois que o juiz da comarca julgou deserta a appellação da sentença que o absolvera no processo anteriormente instaurado.

O prestigio da auctoridade não podia ficar burlado pelo banqueiro recalcitrante, e então, novas providencias foram tomadas para constrangel-o á obediencia á lei, conforme se verá pela noticia que abaixo transcrevemos do nosso illustre collega do Diario Popular.

É de notar que o nosso dedicado amigo e energico sub-chefe de policia, major Euclydes Moura, desenvolvendo n'esta questão, como o faz em todas as que se relacionam com a moral publica e prestigio das instituições, toda a actividade de que é capaz, tem luctado com innumeras difficuldades.

Mas, por outro lado, conta com o apoio moral de prestigiosos republicanos pelotense e de orgam do partido local, que o tê rodeado sempre.

O nosso amigo major Euclydes Moura, em toda essa questão do bicho em Pelotas, tem procedido como um auctoridade á altura do cargo que occupa e digna em tudo dos applausos do publico bem intencionado.

Seu procedimento harmoniza-se perfeitamente, com a austeridade e respeito á lei, que são os caracteristicos do governo republicano do Rio Grande do Sul.

A Federação junta os seus aos parabens que o Diario Popular dá ao sub-chefe de policia, major Euclydes Moura, pela victoria da lei.

Rosauro Zambrano vem a esta cidade por motivo do habeas-corpus requerido ao sr. Poggi, juiz seccional, pelos seus muitos advogados.

É previsto o resultado, principalmente tratando-se de um bicheiro endinheirado...

Eis a noticia que o collega do Diario Popular inseriu a proposito dos successos:

<<O digno e activo sr. major sub-chefe de policia, tendo o denuncia do que o sr. Rosauro Zambrano continuava a bancar o jogo do bicho, deu, hontem, á tarde, rigorosa busca no escriptorio commercial do mesmo sr. Zambrano, apprehendendo diversas provas materiaes de sua criminalidade, taes como listas de bicho, papeis, operações arithmeticas em relação a esse jogo, nome de bicheiros conhecidos e o livro caixa firmado por Zambrano, contendo o balancete das operações mensaes.

N'essa busca foi egualmente apprehendido grande numero de bilhetes da loteria de Montevideo.

Em vista d'isso, foram lavrados os autos de prisão em flagrante e busca.

Os bilhetes da loteria de Montevidéo foram entregues ao sr. administrador da mesa de rendas federaes, que assistiu o auto de apprehensão d'esses bilhetes.

Terminadas as dilligencias legaes, de ordem do major sub-chefe de policia, foram o s. Zambrano e dois empregados do escriptorio conduzidos para a cadêa civil.

Ahi ficam relatados os factos.

A sociedade pelotense que os aprecie, devidamente.

Ainda ha poucos dias, processado pelo mesmo crime, saiu o sr. Zambrano victorioso da contenda, por uma circumstancia qualquer que lhe aproveitou a posição.

Esse resultado parece haver reanimado o sr. Zambrano para novas tentativas de jogatina, em solemne despreso pelas ordens da auctoridade, escarnecendo da lei.

As provas ahi estão colleccionadas, e, deante dellas, cumpria a auctoridade desafrontar-se desse gravissimo ultrage.

Trata-se de um reincidente cuja reputação de argentario fraudulento parece haver estimulado esse novo attentado ao prestigio da auctoridade e á austeridade das nossas leis.

Estão, porém, estas desafrontadas, confiadas, como foram, ás mãos de uma auctoridade energica, briosa, altiva.

Aceite o sr. major sub-chefe de policia sinceros parabens.>>

*************

O Correio Mercantil poz-se, hontem, ao lado, dos que combatem o acto do honrado major sub-chefe de policia, no caso Zambrano.

A declaração é um tanto odiosa.

Si se tratasse de um infeliz, desprotegido da sorte, o Correio talvez entendesse que o acto da auctoridade legitimava uma medida de repressão necessaria.

Não se dariam os commentarios, porque julguem perder o tempo em commentar a prisão de um pobre diabo qualquer, e o Correio, desobrigado, conseguintemente, de fazer acto de presença no caso.

Mas o sr. Rosauro Zambrano adquiriu fortuna, e, por conseguinte, títulos tão valiosos que o excluem, por certa cathegoria social, da plana em que se acotovellam os pobres e os humildes...

Ainda hontem o Diario relatou, em termos claros, os factos que determinaram o acto da auctoridade policial.

O sr. Rozauro Zambrano, traduzindo, como uma victoria do vicio contra a lei, um incidente do processo que lhe deu ganho de causa, continuou a jogar, despejadamente, ultrajando a auctoridade, zombando do seu prestigio e do seu caracter.

Não havia, na cidade, quem não commentasse esse facto, e os mais exigentes, os mais rigorosos, contando sua razão e de seu criterio, tiravam d'elle deducções intimamente desfavoraveis á auctoridade da lei e á posição da policia.

Tratava-se, não já de uma reincidencia, não já de um caso de pathologia de egoismo imbecil, não de uma victoria do vicio dominando a fraqueza e a paixão de um vicioso perdido, mas de uma provocação tremenda, de um desafio baixo, inspirado n'um assomo de audacia selvagem.

A auctoridade não se deixa desmoralisar, e mal de nós, mal da sociedade, mal da justiça, si deante de um acto de despeito, deante de uma manifestação insidiosa de desacato, a auctoridade houvesse de cruzar os braços e tragar a affronta, sem sentir, pelo menos, a reacção do brio offendido!

O major sub-chefe de policia está no seu papel: procedeu, como procederia a auctoridade digna e altiva, deante de um ultrage, que não só reprime com admoestações futeis e banaes.

Tanto mais alta, tanto mais elevada fôr a situação dinheirosa do provocador, tanto mais espontanea e unisona fôr a conforto de bajuladores que vivem deante d'elle, a fazer exercicios de elasticidade dorsal, tanto mais energica, mais vigorosa, tanto mais decisiva deve ser a attitude da auctoridade menoscabada!

Ah! si o Correio Mercantil, que falla em commentarios, pudesse ouvir o pronunciamento da sociedade criteriosa d'esta terra, viria de que força e de que valor são os commentarios de que elle se tornou interprete inconsciente!"

Fonte: A FEDERAÇÃO (RS), 23 de Julho de 1900, pág. 01, col. 01-02