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segunda-feira, 8 de abril de 2019

História do Arquipélago do Marajó - Parte 01


"A ocupação humana no Arquipélago do Marajó é bastante remota. Não existem testemunhos escritos sobre o modo de vida dos habitantes pré-coloniais no Marajó. Recentemente passou-se a conhecer outros tipos de ocupações, anteriores e posteriores àquela que veio a ser chamada de Fase Marajoara. As culturas pré-coloniais do Marajó foram importantes porque a ilha favoreceu um modo de vida sedentário desde épocas bastante remotas (pelo menos 5.000 anos a.C. se considerarmos os sambaquis), tendo assistido à chegada de outros contingentes populacionais e crescimento cultural quase ininterrupto até a chegada dos europeus no século XVI.

O desenvolvimento de sociedades complexas a partir do século V a.C. (cultura marajoara) parece similar ao restante da bacia Amazônica, onde sociedade complexas surgem cinco séculos mais tarde.

A cerâmica encontrada em antigos cemitérios indígenas da ilha por 'caçadores de tesouros' tem destruído esse patrimônio ainda pouco conhecido sobre as sociedade que ali viviam, o que levanta a necessidade de se realizar pesquisas sistemáticas ou mesmo o controle e a proteção para a preservação dos sítios arqueológicos existentes na região. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) identifica os tipos de sítios encontrados no Marajó:

a) Sambaquis: Foi registrado o sambaqui encontrado no município de Curralinho, chamado Araçacar e recentemente foram localizados outros dois sambaquis, muito próximos à cidade de Cachoeira do Arari. Nenhum deste sambaquis foi estudado, mas se for considerada a antiguidade de sítios semelhantes encontrados na costa norte do Pará, pode-se supor que tenham entre 3 e 5 mil anos de idade. Seriam, portanto, representantes da mais antiga ocupação da ilha.

b) Sítios de horticultores: diversos tipos pequenos dispersos pela ilha parecem atestar um modo de vida caracterizado pela horticultura ou manejo de plantas, coleta, caça e pesca. Seriam sociedades relativamente autônomas, organizadas em pequenas vilas familiares, vivendo de uma economia generalizada de subsistência. As datações obtidas para estas ocupações mostram uma ocupação de 1.500 a.C. a 900 a.C. e, depois de um hiato, uma nova ocupação de 1 a 800 d.C.

c) Construtores de tesos: sociedades complexas: são sociedades que se caracterizaram pelo manejo de terra e de recursos hídricos, construindo barragens, lagos e tesos, além de caminhos que os ligavam. Espalharam-se por toda a ilha, especialmente na área dos campos, junto a cabeceiras de rios e igarapés, mas ocupando também a área de floresta. Recentemente, foram encontrados também sítios da cultura marajoara no extremo noroeste da ilha, ainda não registrados.

d) Sítios Aruã: Seriam os sítios dos Aruã proto-históricos chegados à ilha por volta do século XIV e que teria entrado e conflito com as populações marajoaras. São sítios pouco profundos, com fragmentos de cerâmica de decoração rude. Nas ilhas ao norte e no Amapá, sítios da fase Aruã têm urnas funerárias antropomorfas, pintadas em vermelho e branco.

e) Sítios coloniais ou de contato: são sítios da época do contato com os europeus. São vilas, igrejas, engenhos, fazendas, chalés, com estruturas arquitetônicas e outras evidências materiais datadas do período colonial. Estes remanescentes testemunham um longo processo histórico ocorrido na ilha, e podem oferecer subsídios à compreensão de aspectos de sua dinâmica cultural, como por exemplo, as formas de contatos inter-étnicos havidos entre os povos nativos, europeus e africanos.

f) Sítios potenciais: dentre os sítios a serem ainda descobertos e registrados, espera-se encontrar novos tipos de ocupações em áreas ainda não conhecidas, como é o caso das áreas de florestas do noroeste da ilha. Marajó, em tupi significa 'barreira do mar'. A etnia que teve grande importância para a formação de sua população os indígenas, mas que passaram por um processo de miscigenação desde a época da colonização, quando grande parte foi dizimada devido a 'guerras' ocorridas entre os portugueses e os Aruãs ou Aruac e Nhambiquaras, nações indígenas bastante numerosas que habitaram a, então, Ilha Grande de Joanes. Essa população foi duramente escravizada pelos portugueses que tomaram para si grandes áreas de terras por meio de concessões de sesmarias. Entre 1721 e 1740 foram distribuídas mais de 50 sesmarias.

Desde o período colonial, a Região Amazônica integrou-se ao mercado mundial como frente de exploração mercantil. A trajetória socioeconômica da mesorregião do Marajó processou-se de forma cíclica, com sucessivas fases de expansão e recessão econômica, baseadas principalmente no comportamento da pecuária (nas áreas de campos naturais da ilha do Marajó), do extrativismo (nas áreas de floresta) e da agricultura de subsistência.

As fazendas e engenhos do século XVIII e XIX continuaram a utilizar-se largamente do trabalho de escravos e indígenas. Nas fazendas de gados e búfalos era utilizada como força de trabalho tanto escravos quanto homens livres, estes últimos indígenas e mestiços. A resistência à escravidão mediante fugas deu origem à formação dos quilombos e mocambos nas várias regiões do arquipélago.

Baseado em documentos históricos, mostra-se que no decorrer do século XVIII foram muitas as situações e movimentos de fugas da população escravizada, composta tanto por negros quanto por índios. Ressalta-se que por volta de 1823, a população de negros, indígenas e mestiços na ilha correspondia a mais de 80% da população local.

A economia marajoara dependia da exploração de vários produtos naturais, principalmente da coleta da borracha, da castanha do Pará, do timbó, da madeira e da pesca. A agricultura era desenvolvida como atividade exclusiva para o consumo da população local. A dependência em relação às atividades extrativistas determinou o padrão de localização da população da ilha, de tal forma que a maioria da população se distribuiu por pequenos povoados, localizados geralmente nas confluências dos rios e igarapés.

Tais povoados raramente contavam com mais de 200 habitantes que se dispersavam durante a safra da borracha. Segundo Oliveira Júnior (2001) no decorrer dessa atividade foram estabelecidas relações sociais de produção e de comercialização através do sistema de aviamento, durante o período de valorização econômica da borracha (1830-1912) e que se mantém até hoje.

No presente, os descendentes dessa população de índios e negros vivem em situação extremamente vulneráveis devido praticarem atividades extrativistas, roças e pesca. Eles têm resistido para permanecer em seus territórios ocupados a séculos ou o fazem muitas vezes no interior das fazendas nos campos do Marajó.

Até a década de 1960, a pecuária na Amazônia era praticada apenas em campos naturais, como os campos aluviais do Marajó, onde a exploração pecuária data do século XVII. Os latifúndios, surgidos nestas zonas, passaram por herança aos supostos proprietários atuais. O caráter histórico de manutenção desses latifúndios aparece também nas relações de trabalho. Os atuais vaqueiros e capatazes descendem, na maioria de antigos escravos que passaram tecnicamente à condição de agregados e dependentes após 1888.

O pagamento de seus serviços se dá parcialmente em espécie e o restante em autorizações para pesca, caça e extrativismo, bem como para a agricultura de subsistência e para a pecuária em pequena escala nos domínios do patrão. Ademais, não é rara a prática do aviamento, isto é, do endividamento do vaqueiro no armazém da fazenda.

A partir da década de 1970, outro sistema pecuário é implantado na Amazônia, também com base no latifúndio, com pastagem cultivada em áreas desmatadas. Este processo de substituição ecológica implicou numa queda substantiva da participação do latifúndio,tradicional no rebanho total da Amazônia. No Pará, por exemplo, de 1974 a 1994, o rebanho bovino cresceu (54,7%) sendo que no mesmo período a participação dos latifúndios tradicionais marajoaras passou de (38,13%) para (6,86%).

A produtividade comparativamente baixa dos latifúndios tradicionais e os baixos lucros que proporcionam - de US$ 2,00 a US$ 7,00 por hectare/ano contra US$ 14,00 por hectare/ano nas fazendas com pastagem cultivada tem colocado o latifúndio tradicional em desvantagem com relação ao latifúndio recente. Soma-se a isto o inevitável parcelamento da terra por meio de herança, problema pouco expressivo nas zonas de expansão agropastoril.

Quanto aos ribeirinhos, esses apresentam um padrão de distribuição humana que se dá ao longo dos cursos dos rios e igarapés presentes no arquipélago. A produção extrativa e os recursos tecnológicos disponíveis conferem à dinâmica da natureza local, o papel de forte determinante em sua vida e seu trabalho. As atividades econômicas dos ribeirinhos se caracterizam pela extração de madeiras brancas (virola, pau mulato, sumaúma), do açaí (fruto e palmito), da borracha, pela pesca de peixes e camarões, e pela produção de produtos agrícolas, voltados principalmente para o consumo familiar (milho, melancia, arroz). Por outro lado, nos municípios onde a resistência dos trabalhadores ribeirinhos não foi suficiente para que os mesmos possuíssem o domínio das terras onde vivem, ainda existem relações de trabalho tais quais ás existentes na época áurea da borracha.

Acrescente-se que em comunidades remanescentes de quilombos, os quilombolas, a exemplo de Salvaterra, a produção e o beneficiamento da mandioca e insuficiente para atender a demanda interna no Marajó, sendo necessária a compra de 75% de seu consumo, trazido de Belém."

Fonte: BARBOSA, Maria José de Souza (coord.). Relatório Analítico do Território do Marajó. Belém/Pará, Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, Ministério do Desenvolvimento Agrário, PITCPES, GPTDA, Projeto Desenvolvimento Sustentável e Gestão Estratégica dos Territórios Rurais no Estado do Pará, agosto de 2012, pág. 12-16.