"O ano de 1975, por iniciativa da ONU (Organização das Nações Unidas), foi considerado o Ano Internacional da Mulher. No Brasil, algumas mulheres já se encontravam de certa maneira organizadas - com muitas dificuldades, é claro. Com a repressão política nas fábricas e nos sindicatos, os bairros populares de periferia transformaram-se em espaços de resistência, estimulados pelas mulheres, que constituíam a própria vida desses bairros.
São elas que geralmente reclamam da falta de escola, do custo de vida, dos salários baixos, das crianças desnutridas. Assim é que nos clubes de mães, enquanto teciam o tricô, elas falavam 'do governo distante do povo'. As mulheres parentes dos presos políticos, com o apoio de advogados, religiosos e estudantes, começaram a dar seus primeiros passos para reivindicar a anistia.
Graças ao desempenho das mulheres, 1975 tornou-se de fato o marco histórico para o avanço das ideias femininas no Brasil. Sob uma ditadura militar, mas com o apoio da ONU, a mulher brasileira passou, então, a ser protagonista de sua própria história, em que a luta por seus direitos específicos se fundia com as questões gerais. Respondia de maneira forte aos anseios da época: de se expressar, de falar, de enfrentar, de agir.
No começo, poucas e tímidas, mais intuitivas do que conscientes, as primeiras mulheres encontravam outras, muito assustadas, que tentavam resistir-lhe ao apelo, mas acabavam cedendo. Encontrando-se e desencontrando-se, as mulheres criaram condições para um feminismo vinculado aos interesses populares, particularmente dos trabalhadores. Antes de 1975, algumas mulheres, pertencentes a universidades e centros de pesquisa, já começavam a estudar a condição feminina sob um prisma feminista. Em 1969, Heleieth Saffioti escrevera o livro A Mulher na Sociedade de Classes: Mito e Realidade, que muito contribuiu para abrir horizontes. Mas é em 1975 que as ideias feministas, de exigir igualdade de direitos e questionar o papel de submissão da mulher, vão começar a ter ressonância junto à opinião pública.
Enquanto as mulheres dos países europeus e norte-americanos viam com desconfiança a iniciativa da ONU, no Brasil ela cai como uma luva: excelente instrumento legal para fazer algo público, fora dos pequenos círculos das ações clandestinas.
Maria Moraes afirma no seu livro Mulheres em Movimento que o Ano Internacional da Mulher constituiu 'um ponto de referência fundamental para a compreensão do movimento de mulheres. A iniciativa da ONU foi particularmente importante para as mulheres brasileiras por ter propiciado um espaço de discussão e organização numa conjuntura política marcada pelo cerceamento das liberdades democráticas'.
O 1o. Encontro de Mulher do Rio de Janeiro, realizado em junho de 1975, composto de debates, festas e outras atividades culturais, deu origem à formação do Centro da Mulher Brasileira.
Em São Paulo, realizou-se, ainda no mesmo ano, em outubro, o Encontro para o Diagnóstico da Mulher Paulista, patrocinado pelo Centro de Informação da ONU e pela Cúria Metropolitana. Desse encontro, nasceu o Centro de Desenvolvimento da Mulher Brasileira."
Fonte: TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2003, pág. 84-86