Dois interessantes artigos publicados num jornal paulista em 1931, logo após a Revolução de 1930, que propunha, naquela época, uma nova divisão territorial no Brasil.
"Divisão territorial do Brasil - V
J. Testa
Esplanadas, nos artigos anteriores, as nossas idéas geraes sobre a questão, tentamos synthetizar o que dissemos e usar do assumpto as conclusões que elle nos sugere.
Vimos quaes as razões que militam em favor de uma revisão da nossa partilha geográfica: falta de eqüidade na divisão e desequilibrios della decorrentes, tanto no terreno economico quanto no politico; regionalismo; separatismo; rivalidades politicas e uma quasi hostilidade economica entre as unidades federadas.
Analysámos as varias soluções que têm sido aventadas para o problema - dos srs. Christiano das Neves, commandante Segadas Vianna e Sud Menucci - e vimos que as mesmas, apesar de habeis, especialmente a ultima, não resolvem todos os aspectos da questão, visto como, mantendo os mesmos nomes actuaes e Estados equivalentes, não solucionam o assumpto, transferindo-o apenas para outra ordem de idéas. Mudam-n'o de aspecto, mas seria sempre possivel recomeçar a discussão, no novo terreno.
A reforma que propomos é mais radical: o Brasil futuro não se parecerá em nada com o presente, sob esse ponto de vista; os nomes das unidades serão mudados, proscrevendo-se os antigos; as fronteiras actuaes se interpenetrarão, numa [ilegível] que não permittirá reconstituições; em vez de 3 ou 4 unidades equilibradas, o que daria, com pouca differença, a actual situação, teremos 10, alem de varias outras immediatamente collocadas; as regiões de pequena população e, pois, incapazes de se governarem a si proprias com a devida efficiencia, tornar-se-ão territorios; e, por ultimo, o retalhamento dos latifundios estaduaes presentes, permittirá ao paiz um maior desenvolvimento, além de acabar com o fantasma do separatismo.
Uma divisão assim feita, como já tivemos occasião de discutir, satisfaria de uma só vez a todas aquellas razões que acima apontámos.
Vejamos, agora, o modus faciendi. Ao contrario do que poderia parecer, não pretendemos preconisar uma formula rigida e inalteravel. Antes, ao contrario, o modo como se fará a divisão poderá obedecer a criterios variaveis, desde que só enquadre, de um modo geral, dentro daquellas normas que expuzemos. Por outras palavras, queremos dizer que o numero de 18 provincias e 10 territorios, que propomos, poderá ser levemente alterado, desdobrando-se, por exemplo, em duas a da Amazonia, ou subdividindo mais os territorios, sem que isso importe alteração á essencia do plano. Da mesma forma, as linhas divisorias poderão ser ou não naturaes e, ainda, na zona central, occupada pelos Estados de Diamantina, Guanabara, Itatiaya, Mogy Guassú e Tietê, poderia talvez ser estabelecida uma dupla fileira, de estados centraes e maritimos, para evitar as estensas linguas de terra que dariam os quaes propomos.
São, porém detalhes. De um modo geral, o plano que suggerimos é o representado no clichê amnexo. Daria elle em resultado 18 estados ou provincias, todos maritimos, com um maximo de 4.000.000 habitantes ou 400 mil km2, e um minimo de 1.000.000 de habitantes e 100.000 km2, mínimo esse que nos parece sufficiente para permittir a organização de um Estado.
Os territorios apresentariam uma media de 600.000 km2 a 700.000 habitantes, se fossem 10. Seria, entretanto, preferível augmentar-lhes o numero para 12 ou 15.
É evidente que os Estados occupariam a faixa litoranea, em cujos 2.500.000 de km2, approximadamente, se accumula 4/5 da nossa população. A 5a. parte, restante, que occupa no 'hinterland' cerca de 6.000.000 de km2, seria partida em territorios nacionaes, governados por mandatarios da União, até que futuramente, pudessem ser elevados a Estados, quando o seu desenvolvimento o permittisse. A futura constituição preveria esse caso, e, ou prescreveria uma reforma geral da divisão geographica em occasião determinada, ou requerida pelos interessados, ou estabeleceria a passagem automatica de cada territorio a Estado, desde que sattisfizesse ás condições exigidas, que seriam previamente fixadas.
Eis a divisão que proporiamos, e de que dá melhor idéa o 'clichê' ao lado:
Amazonia (parte de Amazonas e de Pará, até o Tocantins e o delta; cap. Manáos; sup. 400.000 km2 e popul. 1.000.000 habs.).
Gurupy (parte de Pará e de Maranhão, até o Mearim; cap. Belém; 200.000 km2 e 1.000.000 habs.).
Parnahyba (parte de Maranhão, de Piauhy e de Ceará, até o Acarahú; cap. Terezina; 180.000 km2 e 1.000.000 de habs.).
Nordeste (parte de Ceará, de Rio Grande do Norte e de Parahyba e de Pernambuco, até o Piranhas; cap. Fortaleza, 100.000 km2 e 1.800.000 habs.).
Borborema (parte de Rio Grande do Norte, de Parahyba e de Pernambuco até o Pajehú e o Capiberibe; cap. João Pessoa; sup. 120.000; e pop. 1.800.000).
Guararapés (parte de Pernambuco e todo o actual Estado de Alagoas, até o S. Francisco; cap. Recife; 110.000 km2 e 2.800.000 habitantes).
São Francisco (Sergipe e parte da Bahia, até o Jacuhype; cap. Salvador; 100.000 km2 e 2.000.000 habs.).
Paraguassú (parte do Estado da Bahia, do Jacuhype ao Pardo; cap. Ilhéos; 130.000 km2 e 2.000.000 de habs.).
Belmonte (parte da Bahia, de Minas e do Espírito Santo, do Pardo ao Doce; cap. Caravellas; 150 mil km2 e 1.000.000 de habs.).
Diamantina (parte de Espírito Santo, de Minas e do Rio de Janeiro, do Doce ao Parahyba; cap. Victoria; 100.000 km2 e 2.500.000 habs.).
Guanabara (parte dos Estados de Minas e Rio, do Parahyba á margem oriental da bahia de Guanabara; cap. Bello Horizonte; 100 mil km2 e 3.000.000 de habs.).
Itatiaya (Districto Federal, parte do Rio de Janeiro, de S.Paulo e de Minas, da margem occidental da bahia de Guanabara até Ubatuba; cap. Rio de Janeiro. 100.000 km2 e 4.000.000 de habs., inclusiveis 2.000.000 da Capital Federal).
Cafelândia ou Mogy-Guassú (parte de São Paulo, de Minas e de Goyaz; de Ubatuba até Bertioga, no litoral e alargando-se para o interior; cap. Ribeirão Preto; 120.000 km2 e 2.500.000 habs.).
Tietê (parte do Estado de São Paulo, de Bertioga até Itanhaen, no litoral, e abrangendo S. Paulo e Santos; cap. São Paulo; 100.000 km2 e 3.000.000 de habs.).
Tibagy (parte de S. Paulo e de Paraná, de Itanhaen a Paranaguá e subindo pelo Tibagy; cap. Corityba; 100.000 km2 e 2.000.000 de habs.).
Rio Negro (parte do Paraná, de Sta. Catharina, e do Rio Grande, até á ilha de Sta. Catharina, no litoral; cap. Florianopolis; 100.000 km2 e 1.000.000 de habs.).
Coxilha (parte de Santa Catharina e de Rio Grande, até Porto Alegre; cap. Porto Alegre; 120.000 km2 e 2.000.000 de habs.).
Pampa ou Piratiny (de Porto Alegre ao extremo sul; cap. Pelotas; 130.00 km2 e 1.200.00 habitantes)."
Fonte: DIARIO NACIONAL: A DEMOCRACIA EM MARCHA (SP), 20 de Março de 1931, pág. 04
"Divisão Territorial do Brasil - VI
(...)
Territorios. (...)
1) O primeiro territorio de Rio Branco, poderia ser constituido pela zona limitada entre os rios Branco, Negro e a Venezuela. A séde do governo seria Bôa Vista.
2) Viria, a seguir o de Rio Negro, a sudoeste desse, limitado entre esse rio e o Amazonas; capital S. Gabriel.
3) Javary, entre esse rio e o Juruá, abrangendo, nas cabeceiras, parte do Acre actual; cap. Cruzeiro do Sul.
4) Juruá, entre este rio e o Purus; cap. Teffé.
5) Madeira, entre o Purus e o Roosevelt; cap. Humaytá.
6) Tapajós, entre o Roosevelt e o Telles Pires, descendo pelo Tapajós. Essa zona é tão aspera como as anteriores, porém ainda mais deserta, donde o ser esse territorio talvez inexequivel, a menos que se fizesse especialmente uma conquista ao sertão bruto, a começar pela edificação de uma capital e pela construção de estradas.
7) Xingu, entre este rio e o Telles Pires. Nas mesmas condições do anterior territorio. As cachoeiras do Xingu, Tapajós, e seus affluentes, têm impedido, nessa zona, o accesso do seringueiro-bandeirante para o interior, como fez no Amazonas e Acre.
8) Araguaya, entre este rio e o Xingú. Já era possivel, aqui, obter-se uma capital em S. João da Barra. E o Araguaya, com pequenos trabalhos de desobstrucção, torna-se francamente navegavel. Haja vista o que realizou o heroico e malogrado Couto de Magalhães.
9) Tocantins, entre este rio e o Araguaya. Zona já perfeitamente aproveitavel, pelo interior de Goyaz. A cap. seria Bomfim ou Porto Nacional.
10) Planalto. Do Tocantins á Serra de Taguatinga, abrangendo também a metade sul do Maranhão. Capital em Palma ou Carolina.
11) Rio Grande, abrangendo o sul de Piauhy e de Ceará, oeste de Pernambuco e nordeste de Bahia, até o Rio Grande. Capital em Joazeiro, Petrolina ou Barra do Rio Grande.
12) Paracatu, sul da Bahia, norte de Minas e centro leste de Goyaz. Capital Januaria.
13) Cuyabá, centro de Mato Grosso e centro-oeste de Goyaz. Capital Cuyabá.
14) Corumbá, sul de Mato Grosso, menos a parte que formaria, com S. Paulo e Paraná, o Estado de Tibagy. Capital Corumbá ou Aquidauana.
15) Trombetas (zona fronteiriça da Guyana Ingleza, do Rio Branco ao Trombetas). Esta região, que o general Rondon ha pouco explorou e sobre a qual escreveu o sr. Gastão Cruls 'A Amazonia que eu vi', seria tambem, por ora, inaproveitavel, devido ás cachoeiras, a menos que se construisse uma estrada de penetração.
16) Oyapock. Zona pouco mais accessivel, do Trombetas ao Oceano. Poderia ser estabelecida a sêde do governo em uma das pequenas povoações que orlam o rio Parú."
Fonte: DIARIO NACIONAL: A DEMOCRACIA EM MARCHA (SP), 26 de Abril de 1931, pág. 04