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quinta-feira, 19 de julho de 2018

Visita a Pelotas e Rio Grande em 1854


"Primeira carta ao denodado Republico.

COLONIA IMPERIAL DO RIO GRANDE DO SUL 25 DE ABRIL DE 1854.

Assentindo ao pedido de um nosso conterraneo do Norte, para noticiar ao valente campeão - Republico - as tarpasas da actualidade nesta colonia Imperial, vou entrar na lide, occupando-me por hoje com as duas cidade, Rio Grande e Pelotas, tendo em regressado hontem desta ultima, onde passei a festa da semana santa, e por isso de preferencia tratarei desta.

Gostei do decóro e gosto que presidio a armaçao da Igreja, que certamente nada deixava a desejar, bem como do ceremonial de Domingo de ramos ao da ressureição. Todas as irmandades tem cruz de prata e paramentos de gosto. O tumulo do Senhor é obra primorosa e de valor. O throno so achava guarnecido com mais de cem castiçaes de prata. O lava pés foi servido em bacias acompanhadas de jarras de prata. Para mais abrilhantar a festa pregou em todos os dias festivos o Conego Almeida que veio dessa Corte, cuja oração não agradou aos Benerandas  por ser elle da terra dos caibras; e tanto assim que no dia 18, no primeiro numero do Pelotense cujo proprietario e redactor é nascido em Lisboa e está munido de papeleta, foi o illustre conego zurzido asquerosamente, analisando a sua oração, declamação e não sei que mais um misero portuguez, visitou o digno Conego depois desse parto infernal e lhe fez todas as demonstrações de se achar saptisfeita com suas fadigas para abrilhantar a festa da Semana Santa. Já me ia passando pela ideia o bello e sempre amavel sexo feminino; a igreja, sem temor de errar, se pode dizer que era o jardim do paraiso; graça, bellesa, atractivos e elegancia de trajar tudo disputava a preferencia; poucas cidades tão novas haverão que neste genero disputem a palma a Pelotas.

Passarei agora aos Zangões do lugar, cuja mania é serem fidalgos e pertencerem a nobresa. Sexta feira maior estava eu em uma loja na praça da Igreja a ver passar o povo para ella, e de vez em quando la vinha um carro de duas ou quatro rodas, e perguntando quem é aquelle? disião-me: é o Commendador Fuão que se zanga quando não lhe dão Excellencia. Quem é aquelle outro? é o charqueador Beltrão que sendo carreteiro passou do dia para noite a capitalista. Quem este outro?... he o viador João que entende muito de politica, pois em 1831 andou de calça amarella, sobre verde e chapeo de palha, mas tendo ido para a corte em 1835 conciliou-se com a nobreza e de lá veio enxertado em guarda roupa. Quem aquelle militar? he o viador Coronel (da G.N.) que tambem em 1834 uzou das mesmas vestes daquelle e só gritava contra o Panaca, appellidando de panaquinha a quem hoje o tem enchido de fitas e tetéas. Quem aquelle cabeleira branca da ordenança? he, (tirou o sugeito o chapéo) o Sr. Delegado de Policia, que por milagre de estupidez não assina de cruz, mas homem muito recto, por qualquer cousa manda a qualquer cidadão para o xadrez da cadeia e sem lhe formar processo lá o tem dous tres quatro mezes. Quem, disse eu, é o acessor de tão prestante verdugo? he o seu sobrinho Joaquim, que é o Promotor Publico desta comarca.

Continuei a conversar com o homem e então fui enfronhado de uma perseguição que sofre o brasileiro e de que os jornaes do Rio Grande tem dado conta, cuja rezumirei da maneira a seguir: Ignacio Joze dos Santos foi recolhido a cadeia no dia 4 de março, sem ordem por escripto e sem se lhe diser porque. No dia 6 foi condusido a sala do Delegado e ahi interrogado se era casado duas vezes, o que negou, e depois disso se tem [ilegível] onze pessoas como testemunhas e [ilegível]  que só uma tenha dito ter conhecimento [ilegível] como o Delegado é homem muito recto [ilegível] continua a tolher a liberdade desejada pelo cidadão, para exemplo de outros, conservando-o incommunicavel. A victima é negociante de ferragens e ali vive ha dez annos sem que nesse lapso de tempo alguem se lembrasse de semelhante bigamia. As disposições do pacto fundamental de nossa associação, e as do codigo de processo criminal tem sido calcadas aos pés desse verdugo da humanidade, talvez fiado em ter um sobrinho deputado geral, e um Promotor, e ter um seu cunhado hospedado o Prezidente Cansansão, a quem devemos essa boa nomeação de Delegado, e que não contente com isso nomeou 1o. supplente do Juiz Municipal...

O Diario do Rio Grande e o Rio Grandense tem esgottado toda a sua loquella reprimindo os absurdos desse verdugo da humanidade, mas o Cansasão que é dos Conciliadores a cuja padilha se acha a frente o Mendonça que oje dá as cartas, tem feito ouvidos de mercador e vai conservando o sóta-carrasco daquelle departamento desta Imperial Colonia. Como os periodicos da Província são todos conciliadores bem vai a cousa.

Não ha Quixote sem Sanxo; assim o é. Tem Pelotas um alferes de Policia que é o melhor meirinho que se pode imaginar: elle vai em pessoa prender a qualquer cidadão, logo que o mande o Delegado: serve de moços de recados ou ordenança para andar avizando aos taberneiros que feichem as portas aos Domingos, e, finalmente, anda pelas ruas a fazer intimações da parte da Policia!!!... Que honra para os collegas!!!... Firmas destas é que servem nos tempos da corrupção.

Gostei muito do local da bella cidade de Pelotas, mas não para lá rezidir, pois teria sem esperar algum convite forçado para ir passear a cadeia; e com quanto o Carcereiro seja uma das nobresas da cidade, intimo amigo do Delegado e das familias deste e do Mendonça, a quem tem dado suas tertulias digo: por tal preço não quero o throno.

Para concluir com fenomenos de Pelotas direi: O escrivão de Delegado, que solétra e não lê, que é valido do dito Delegado e dos seus asséclas, é uma sanguexuga sem limites; quando desampara as partes deixa-as da mesma forma que qualquer medico regular, isto é a pedir esmólas. Aqui mora um ferreiro, que se esgueirou de lá por lhe terem chupado dous contos e dusentos mil réis, em consequencia de deflorar uma criança de 3 annos...

Que bella justiça!!!... Quem tem 2:200$000 pode deflorar innocentes!!!... Essa somma foi dividida assim: 600$000 a casa de caridade, dizem valha a verdade; 400$000 para a victima; sete onças, 224$000 ao Escrivão; o restante aos agentes promotores desta bandalheira. O que é certo é que assim é que se fazem os fidalgos, pois o habil Escrivão já comprou um carrinho por 600$000 para andar bunda tremida, como diz o Batata, que as tem colhido boas na administração das interminaveis obras da Matriz.

Agora iremos por nossa caza (Rio Grande). Não temos por aqui a fidalguia de Joze Pelotense, mas temos certas aves sahidas dos galés do limoeiro que vão fasendo pela vida como podem e os conciliadores consentem. Ha um taberneiro que já foi ao Porto desovar quatro arrobas e tanto de prata comprada a escravos e gente dessa linhagem (furtos), que tendo voltado veio munido de um caixeiro, que pesca de ourives, por isso compra tudo sem receio, pois logo vai ao cadinho e no primeiro barco que segue para a terrinha vai a remessa. Para esta gente ainda não acabou a arvore das patacas, cada vez essa planta se reproduz mais; para elles tão sómente.

A policia quando não está nas mãoes dos malúngos, anda pelos conciliadores, que tem tomado a peito conciliar tudo quanto é bandalheira. A Capitania do Porto está nas mãos do muito honrado Ferraz, que é brasileiro da 4a. fornada. A prezidencia da Camara na pessoa do Gomes que tambem pertence a 4a. e o mais vai gradualmente.

(...) [ilegível]"

Fonte: O REPUBLICO (RJ), 15 de Maio de 1854, pág. 03, col. 01-03