"Quando se fala em imigração alemã há 179 anos, é bom pensar como eram as coisas naquele tempo, na Alemanha, no Brasil, no Rio Grande do Sul.
O Brasil tinha meia dúzia de centros notórios, como Rio de Janeiro, a capital do recém-criado Império Brasileiro; Salvador, antiga capital; Recife, São Paulo e núcleos mais provincianos como Porto Alegre. O Brasil era movido pelos escravos. De seu suor, sangue e lágrimas vivia a jovem nação. Açúcar, gado, cacau, pedras preciosas, tudo nascia de suas mãos. E como eles fossem em maior número do que os homens livres, é provável que esse fato levasse o Governo a pensar em imigrantes de outra categoria. O Rio Grande de São Pedro tinha Porto Alegre como capital. Ainda marcavam presença Viamão, Rio Pardo, Pelotas e Rio Grande, para citar apenas alguns núcleos. O gado constituía a grande riqueza, indelevelmente ligada à História do extremo sul. Aqui também o braço servil era uma realidade.
Falar na Alemanha da época requer registrar que ela não existia como unidade nacional. Havia reinados, principados, ducados, independentes entre si. O que identificava todos, e daí falarmos em Alemanha, era a língua. Na Idade Média, predominavam os dialetos. Ainda hoje a Alemanha é rica em dialetos. Com Lutero, ao traduzir a Bíblia para que os alemães pudessem lê-la, criou-se a língua alemã ou, simplesmente, o alemão. Ao uniformizar o idioma, havia um elo comum entre todos os departamentos políticos vindos da Idade Média. Logo, ao falarmos em imigrantes da Alemanha, antes de 1871, ano da unificação formalizada por Bismarck, referimo-nos às pessoas de fala alemã. Os passaportes da época registram a origem das pessoas como sendo da Prússia, de Schleswig-Holstein, Renânia, Hesse ou Pomerânia. Como todas falassem a mesma língua, a História só registra 'alemães'. Mas isso não tira o mérito da imigração entre nós.
Agora podemos perguntar - o que leva uma pessoa a deixar seu lugar de nascimento?
Ora, com nossos imigrantes alemães houve, como em qualquer ser humano, o desejo natural de progredir, visualização de novos horizontes em razão de situações existentes em sua terra natal.
Na família alemã vamos encontrar o 'Erbrecht' (morgadio), direito hereditário do filho mais velho. Como não houvesse mão-de-obra à disposição, eram comuns famílias com oito, dez ou mais filhos. A propaganda brasileira então feita na Alemanha deve ter produzido os efeitos desejados, já que muitos viam a grande oportunidade de terem suas terras próprias. E muita terra! Enfim, sessenta ou setenta hectares era muita terra. Não seria hora da realização de utopia de cada um? Outrossim, é preciso considerar que, ao tempo do início da imigração, a Alemanha saíra das Guerras Napoleônicas, que causaram uma devastação fácil de imaginar: lavouras destruídas seguidamente, moradias em chamas, mortes, dizimação da juventude masculina, a soldadesca deixando seus rastros junto ao elemento feminino... Quanto aos renanos, o maior número de imigrantes, suas terras sempre foram palco de lutas travadas ao longo do rio Reno, fato que pode explicar sua inquietação. Mais. A emigração começou em 1824, setenta anos depois da invenção da máquina a vapor, na Inglaterra, cujos efeitos técnicos começavam a se fazer sentir na Europa continental. A máquina dispensa mão-de-obra e a previsão de desemprego para tanta gente deve ter exercido sua influência sobre a emigração. Depois veremos que os artesãos, começando a perder suas oportunidades na Alemanha, foram aqui muito importantes, porque lançaram as bases da industrialização. Além desses fatores gerais, em cada região de onde provieram imigrantes com destaque para a Renânia, Vestfália e Pomerânia, havia fatores locais a influir na saída de seus filhos."
Fonte: CONSULADO GERAL DA ALEMANHA. 1824 - Antes e Depois: O Rio Grande do Sul e a imigração alemã. Porto Alegre/RS: Consulado Geral da Alemanha, 2003, 3a.ed, p.04-05.