"O processo histórico de ocupação do território compreendido como Pelotas deu-se ainda no século XVIII onde, inicialmente, instalou-se uma rede de criação e comércio de gado. Posteriormente, em função de alguns ciclos migratórios, a região também começou a ser utilizada para a produção de charque.
Essa produção era exportada para a região nordeste, onde havia demanda causada pela atividade de exploração da cana-de-açúcar. Foi a partir da interação entre produtores de açúcar e os de charque que se criou a competência da produção de doces pelas senhoras pelotenses para servir em ocasiões especiais. Com a diminuição do consumo do charque, houve a necessidade de reconfiguração da atividade econômica. Nesse sentido, as mulheres da aristocracia pelotense buscaram o trabalho manual como alternativa de geração de atividade econômica, resultando na produção comercial de doces.
As doceiras puderam contar tanto com os frutos trazidos e introduzidos pelos portugueses na biodiversidade brasileira, como também com os frutos já consumidos pelos índios no Brasil, como eram os casos do cacau, goiaba e abacaxi, para reproduzir ou adaptar receitas tradicionais portuguesas, culminando por aculturar, cada vez mais, os doces ao paladar brasileiro.
Em 1832, ocorre a emancipação do Município de Pelotas, o que estimula um número cada vez maior de fazendeiros e charqueadores a construir residências, adotando a localidade como local de moradia. Após a emancipação, surge a primeira fábrica de bolachas doces. Além disso, nos encontros sociais, os pelotenses foram mantendo o costume de comer os doces já mencionados, motivando, assim, a manutenção da tradição.
O doce de Pelotas, na primeira metade do século XIX, fazia-se presente nas festividades católicas, em seus rituais, logo, tornando-se objeto de demanda por parte, de autoridades políticas, dada a fama angariada. Entretanto, apenas no final do século XIX, com a decadência das charqueadas, os doces passaram a ocupar um lugar mais formal na renda das famílias. Por ser um trabalho eminentemente feminino era visto como empobrecimento e degradação familiar. Só em 1959, essa situação mudou, tendo em vista uma publicação da Editora Globo sobre os doces de Pelotas. Tal publicação tirou do anonimato suas produtoras, consagrando-as com um status social diferenciado.
Além dessas doceiras, há outras fontes para a sedimentação da tradição dos doces de Pelotas, como o fim da escravidão, que possibilitou aos negros recém-libertos venderem os doces em seus tabuleiros ou o surgimento, ainda no final do século XIX, das primeiras confeitarias da região, bem como a imigração de franceses e alemães que também investiram nesse tipo de negócio.
Em 1986, os produtores de doces, o poder público local e os comerciantes organizaram a Feira Nacional de Doce - FENADOCE, um evento inicialmente bianual. A partir de 1995, tal evento tornou-se anual e, sob a responsabilidade da Câmara de Dirigentes Lojistas de Pelotas, houve um impulso maior ao evento.
A FENADOCE tem sido um evento complementar para a disseminação da produção de doces derivados de frutas e doces tradicionais de confeitaria. Além disso, a Feira constitui um locus de presença dos agentes das diferentes etapas da cadeira produtiva. Contudo, esse evento tem tido uma redução do impacto relativo sobre os agentes da cadeia produtiva de doces, principalmente na venda desses produtos, já que os compradores vão direto às lojas comerciais.
Em 2003, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou a Lei no. 11.919 de 06/06/2003, declarando como patrimônio cultural do estado os doces de Pelotas. Hoje, muitas famílias vivem da produção e comercialização desses doces."
Fonte: PERALTA, Patrícia Pereira & alii. A Indicação de Procedência como instrumento de diferenciação: o caso do Doce de Pelotas. In: Redes, Santa Cruz do Sul/RS, v. 21, n. 02, maio/ago. 2016, p. 332-333.