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sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

A invasão paraguaia no Rio Grande do Sul em 1865


"O plano original de Solano López foi mantido, sobretudo, no que se refere à invasão ao Rio Grande do Sul, mesmo com a destruição da marinha paraguaia no arroio Riachuelo. Em 10 de junho de 1865, aproximadamente 12 mil soldados paraguaios, comandados pelo tenente coronel Antonio de La Cruz Estigarribia, invadiram a província sulina.

No Rio Grande do Sul, o Império dispunha de 14.000 homens que, sob as ordens dos generais David Canabarro e João Frederico Caldwell, fizeram uma ineficiente resistência. Mesmo com essa relativa facilidade, boa parte dos soldados paraguaios não estariam plenamente alinhados com a operação. O historiador Wagner Jardim abordou sobre esse episódio:

Em 10 de junho de 1885, ao ingressarem em território brasileiro, é crível que morrer em combate era a última coisa que boa parte daquele Exército queria. São muitos os registros da falta de combatividade, de fuga ao confronto ou mesmo da rendição sem dar luta. Parte do Exército estava comprometida com as ordens de López, no entanto, os descontentes não seriam poucos.

Uma das forças, cerca de 3.000 homens comandados pelo major Pedro Duarte, ficou na outra margem do rio Uruguai para acompanhar o avanço da coluna maior do outro lado do rio; a outra, aproximadamente 7.500 combatentes sob a responsabilidade de Estigarribia, entrou no Rio Grande do Sul e partiria para o sul, costeando as águas do rio Uruguai.

O objetivo estratégico de Solano López ao invadir o Rio Grande do Sul era avançar até as proximidades de Porto Alegre, conquistar uma grande vitória e forçar um tratado de paz. Esperava igualmente conseguir mantimentos para abastecer seu Exército e, ao liberar o saque, pretendia consolidar o apoio às suas forças na guerra, já que a impopularidade do conflito era crescente.

A invasão do Rio Grande do Sul em São Borja iniciava o ataque ao Brasil em região de significativa povoação guarani e importantes manadas de gado vacum e cavalar, transportadas para o Paraguai. Ela teria como objetivo tático a destruição das forças de defesa da fronteira oeste, sob o comando geral do brigadeiro David Canabarro (1796-1867) e do comandante de armas da província sulina, o tenente-geral João Frederico Caldwell.

O cônego francês João Pedro Gay, testemunha ocular da invasão à vila de São Borja descreveu a reação da população da localidade com a investida paraguaia:

Seus habitantes, alguns em carretas, vários a cavalo, quase todos a pé se retiraram, quase unicamente com a roupa do corpo, abandonando suas casas, seus trastes e tudo que aí possuíam, julgando-se felizes de não caírem prisioneiros e de salvarem suas vidas. O desejo de cuidar do salvamento das principais alfaias da igreja, dos livros paroquiais e de alguns papéis manuscritos meus de importância, me fez, apesar do perigo, demorar minha retirada. Já choviam balas dentro da vila, já havia rebentado uma bomba ao lado da minha casa, quando já muito tempo depois do meio dia o Sr. Lacerda, juiz municipal, e o Sr. Marcos de Azambuja, encarregado do fornecimento das tropas de São Borja, penetraram no aposento em que me achava e, me conduzindo ambos por um braço, me obrigaram a montar a cavalo e a me retirar, sendo um dos últimos a fazê-lo.

A respeito dos saques na região, o conêgo Gay relatou:

No dia 16 [junho] de manhã e bem cedo chegou a expedição paraguaia à casa de D. Ana Joaquina Lopes de Almeida, viúva do Capitão Fabiano Pires de Almeida, a 7 léguas de São Borja. A casa, como todas aquelas que esta força encontrou na sua passagem, como a do Sr. Coronel Lago, do Tenente João Machado de Almeida e outros, foi completamente saqueada; e os trastes, quase todos quebrados, foram espalhados por baixo das laranjeiras, pela estrada e pelo campo.

As condições climáticas e geográficas da fronteira oeste do Brasil trouxeram inúmeras dificuldades para os soldados que combatiam. O rigoroso e chuvoso inverno de 1865, com temperaturas negativas inclusive, causou baixas nos soldados aliancistas e paraguaios. O militar Dionísio Cerqueira registrou o drama dos soldados sobretudo oriundos do norte do Brasil:

Os recrutas recém-chegados do norte do Brasil, não habituados aos rigores do inverno, excepcionalmente frio no ano de 1865, baixaram aos hospitais em grande número; e as fileiras rarefaziam-se rapidamente. Lembro-me de um luzido batalhão de voluntários paraenses que desapareceu vitimado pela brusca troca de clima cálido de sua terra pelo frio intenso de São Francisco e, provavelmente também, pela mudança de alimentação, quase exclusiva de carne muito gorda com a qual não estavam habituados. A disenteria, flagelo dos Exércitos em campanha, grassava intensamente e fazia inúmeras vítimas.

Na operação paraguaia, as tropas permaneceram alguns dias em São Borja, partindo para a vila de Itaque no final de junho daquele ano, sempre costeando as águas do rio. Entretanto, as instruções do Mariscal não foram seguidas:

O Exército comandado por Estigarribia e Duarte dirigiu-se para Itaqui, onde saquearam moradias e casas comerciais. As ordens de Solano López eram para que esperassem naquela localização suas instruções, já que possivelmente pretendia que marchassem para Alegrete. Descumprindo essas instruções, a coluna seguiu para Uruguaiana, onde entraram, em 5 de agosto, sempre acompanhada, na outra margem, por Pedro Duarte e seus homens, como observadores em maiores detalhes a seguir.

Em outro descumprimento das instruções de López, que havia ordenado, a seguir, apenas o abastecimento das tropas com víveres em Uruguaiana, os homens de Estibarribia, em virtude da parca defesa Imperial feita pelo comandante David Canabarro e o quase abandono da localidade pela população, acamparam no interior da vila:

As tropas paraguais, com fartura de alimento, 'esqueceram-se' das ordens de Solano López e novamente acamparam dentro da vila, uma decisão capital para o destino dos invasores. Após a ocupação da vila, a situação dos paraguaios sitiados começou a comprometer-se. Eram cerca de 7.000 homens para serem alimentados e, aos poucos, os provimentos escassearam, obrigando que matassem 'os bois de suas carretas, os cavalos de suas montarias' para alimentarem-se. Uma situação que tendia a agravar-se dia após dia, caso não chegasse o apoio esperado do Paraguai.

Os soldados aliancistas estavam reunidos na província argentina de Entre Rios, desde junho, na presença do comandante em chefe Bartolomeu Mitre que organizou a reação aos paraguaios. Poucos dias depois chegou o general Flores, com 6.000 homens, metade dos quais eram brasileiros. As forças argentinas também se iam reunindo ali, gradualmente. O general Osório, comandante dos brasileiros, já se encontrava lá, e as tropas brasileiras chegavam continuamente.

(...)

Logo após a vitória dos aliancistas em Yatay, começou as correspondências para negociair a rendição paraguaia em Uruguaiana. Porém, em um primeiro momento, o comandante Estigarribia preferiu morrer em combate que se render. Chegou a organizar uma falsa saída da vila, mas recuou e retornou a Uruguaiana.

Neste dia [19 de agosto], Estigarribia comandou saída de suas forças da cidade em direção à estrada de Itaqui. Foram, no entanto, interceptados pelas precárias forças de David Canabarro, que se encontrava às margens do arroio Imbaá, a cerca de dez quilômetros da cidade. Antonio Estigarribia, que na correspondência aos chefes aliancistas jurava vontade de combater ao invés de se render, voltou a Uruguaiana sem dar combate, jamais verdadeiramente perseguido por Canabarro.

Em Uruguaiana, os aliancistas contavam com aproximadamente 17.000 combatentes entre as três armas; já os paraguaios com cerca de seis mil homens, se encontravam em dificuldades, cercados, tanto por terra como pelo rio. Eles estavam divididos entre render-se ou resistir. As propostas dos aliancistas de rendição chegavam em correspondências seguidamente, sobretudo dos chefes superiores aliancistas e de grupo de legendários paraguaios que faziam oposição ao governo de Solano López de Buenos Aires.

Mais tarde, o comandante Francisco Isidoro Resquín registrou uma dessas correspondências negociando as condições de rendição:

Al siguiente dia [12 de setembro] volvió a intimársele la rendición proponiéndosele a la vez innumerables ventajas, antes de un derramamiento de sangre que seria estéril ante el poder de los aliados. Esta propuesta fue dirigida al comandante Estigarribia por conducto de Juan Francisco Decoud, uno de los jefes del comité revolucionario que como hems dicho funcionaba en la ciudad de Buenos Aires pos algunos paraguayos que se pronunciaron contra el gobierno de su pátria a favor de los intereses de la Tripli Alianza.

O comandante em chefe do Exército aliado Bartolomeu Mitre e Pedro II chegaram a Uruguaiana quando as negociações de rendição já estavam avançadas. A presença de Dom Pedro tem uma representação política e militar singular, pois ele se auto-intitulava o 'voluntário da Pátria número um'.

Em 18 de setembro de 1865, depos de negociar a rendição, as forças paraguaias, já abatidas e sem disposição para guerrear, se renderam. Foram feitos prisioneiros 5.545 militares paraguaios, sendo 59 oficiais, divididos entre os aliados."

Fonte: COUTO, Mateus de Oliveira. Tribunais de Guerra: castigos e punições nas forças imperiais durante a Campanha contra o Paraguai (1864-70). Tese de Doutoramento, Programa de Pós-Graduação em História, PUC/RS, 2016, p. 79-83