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domingo, 27 de novembro de 2016

Hábitos alimentares brasileiros no século XVIII


Trecho extraído de: DONATO, Hernâni. História de usos e costumes do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 2005, p. 202-203.

"Para quem tinha o que comer, o dia era uma comilança.

Antes do sol nascer, fazia-se o desjejum, com um mata-bicho - calicezinho de aguardente especial. Isso, em terras de engenhos. Para as bandas do sul, bebia-se o chá de congonha ou mate, quente, adoçado. Na área de influência guarani, mate amargo e em cuia. Na Amazônia, guaraná, frutas e sucos.

As famílias abastadas reforçavam o líquido com pão-de-ló e doces de forno. Nas vilas melhores, nas fluminenses e vicentinas, servia-se o pão de trigo. Entre os pobres, que precisavam de força para o trabalho, o desjejum obtinha o reforço de batata-doce, mandioca cozida e a jacuba - água fria açucarada ou com farinha de milho.

Farinha de mandioca: branca e amarela
O almoço, servido bem cedo, por volta das 8 horas. Não podia faltar a farinha de mandioca, o pão da terra. Se pouco torrada, ganhava mistura de um líquido, leite ou água. De vez em quando, doce ou salgado, o bolo assado, de farinha de mandioca. À medida que o monjolo se espalhava pelo interior, surgiam pratos de milho e arroz. Farinha e canjica. No litoral, arroz, mariscos, milho, peixes. Bananas e laranjas, na mistura. Pelo sertão, peixes, se houvesse rio próximo. Mas, sempre, mandioca, sob diversas formas de apresentar. E feijão com carne de porco. Carne fresca no dia do abate ou conservada por uma semana em meio à banha do próprio animal. Faltando a carne, serviam-se torresmos. Comumente, chouriço, linguiça, toucinho e fartura de ovos. Caldo de feijão por cima de tudo, até do quibebe - abóbora temperada com um pouco de açúcar e gordura. Nos festejos, a caldeirada portuguesa ou o virado, o tutu. Sobremesa: leite adoçado, com farinha ou fubá torrado. No litoral, banana verde temperada ou madura cozida com canela.
Milho - uma das bases da alimentação brasileira
O jantar, ou a janta, oferecido seis horas depois do almoço. Portanto, entre as 13 e as 14 horas. Voltavam à mesa os pratos da refeição anterior. Com mais um assado e verduras, conforme a época. No tempo do milho, a mesa ostentava o mingau com cambuquira, o curau, a pamonha. Aos domingos, abundância de carnes. Sobremesas, as do almoço.

A ceia, servida ao escurecer, à hora da Ave-Maria. À disposição, tudo o que fora oferecido às 8 e às 13 horas. Melado com mandioca melhorava a oferta de sobremesas.

Mas não era tudo. Entre o almoço, o jantar e a ceia, comiam-se duas merendas. Doces, bolinhos fritos, canjica, leite com farinha, frutas. E as bebidas do amanhecer. Nas cidades, ia surgindo o requinte do chocolate e do chá da Índia.

À noite, para quem ainda aguentasse 'fazer uma boquinha', as escravas serviam pipoca, paçoca de amendoim, amendoim torrado. 

Moringa - pote de barro para armazenar água
O pote de barro matava a sede que surgia de tanto comer. Ficava na sombra do alpendre ou na sala, junto da porta. Na casa rica, uma corrente de prata com uma caneca pendia do pote. Na morada do pobre, cuia ou coco na ponta de comprido cabo de madeira.

Os pratos, feitos de estanho, ferro ou madeira. Os garfos tinham cinco dentes. A faca, na maior parte dos casos, era pontiaguda, personalizada, que ninguém deixava de carregar. O cozido e a sopa difundiram o uso da colher: poucas de prata, comuns de chifre, usualmente de pau.

De 1760 em diante, entre os abonados, surgem louças da Índia, da Holanda, de Portugal. E, refinamento social, saleiros e galheteiros de prata. Entre o povo, durante todo o setecentos, continuou predominando a louça de barro: potes, cuias, tigelas, moringas, peruleiras."