Páginas

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Uma explicação para o nome do Capão do Leão

Artigo de minha autoria publicado na obra: SANTOS, Douglas Ferreira et. alii (orgs.). Olhares sobre Capão do Leão. São Leopoldo/RS: Oikós, 2014.

Uma explicação para o nome do Capão do Leão
            Um dos mais antigos mistérios que cerca Capão do Leão é a respeito da origem de seu nome. Eu sempre defendi uma versão que considero mais plausível com nossa realidade sulista e pampeana. Mas é interessante, então, explicar as diferentes versões e suas naturezas.
            Capão do Leão é um nome composto. Capão é uma palavra de origem tupi que quer dizer literalmente “mato isolado”. Na vegetação típica do Rio Grande do Sul, o capão é uma formação arbustiva bem identificável. Na imensidão dos campos, surge um pequeno aglomerado de árvores baixas e arbustos. Eis então um capão. A pergunta a seguir é: por que capão “do Leão”?
            Uma das histórias que corre entre o povo é que por aqui passou um circo e um leão teria escapado. A história não é totalmente destituída de sentido. Isso aconteceu. Só que aconteceu numa época em que Capão do Leão já era Capão do Leão. Mário Carrestrini, um agente de alfândega, resolveu escrever suas memórias na década de 1970. Pois bem, ele trabalhou em Pelotas no início do século XX. Entre as muitas histórias que narra uma chama a atenção. Um cirquinho teria passado por Pelotas e teria encontrado problemas com a fiscalização. Por qual razão, ele não enumera. Todavia, afirma que os artistas do circo antes de serem autuados, fugiram para a Villa do Capão do Leão. Novamente descobertos, rumaram ao Uruguay, mas deixaram na tal vila, conforme palavras do próprio Carrestrini um incômodo presente: vários micos, um leão africano e um urso. Eu encontrei numa edição de “A Opinião Pública” de 1911 uma notícia semelhante, só quem citar o abandono dos animais. Carrestrini diz ainda que o leão e o urso teriam atacado rebanhos de ovelhas em solo leonense.
            O fato é que a história do leão do circo tem muita veracidade, se pensarmos num cirquinho mambembe do início do século passado. Mas a questão fundamental que exclui qualquer possibilidade deste fato estar ligado à origem do nome do município, como já havia supracitado, é a época em que isto aconteceu. Já existia Capão do Leão e já existia uma Villa do Capão do Leão. Sem sombra de dúvida, o pitoresco acontecimento integrou-se ao imaginário da população que migrou anos mais tarde para cá.
            Justamente por já existir um Capão do Leão onde hoje é o próprio, que emendo a respeito da segunda explicação sobre a origem do nome do município: um senhor de nome ou sobrenome Leão que teria uma “venda” que servia como ponto de parada no lugar. Algumas fontes afirmam que esse senhor Leão teria vivido próximo ao Passo das Pedras. Essa versão é bem coerente, entretanto, o incômodo que sempre senti com ela é que a mesma não se encaixa em termos de data. Vejamos bem, a primeira menção documental ao lugar Capão do Leão é de 1809. Logo, se existiu um senhor Leão e sua venda, ele tem que estar situado aqui antes de 1809, pelo menos. Só que daí incorre alguns problemas históricos. Primeiro, nos estudos mais aprofundados sobre os primórdios de nossa região, em que podemos citar autores como Mário Osório Magalhães, Alberto Coelho da Cunha, Fernando Osório, Esther Gutierrez, Eduardo Arriada, Zênia de León, dentre outros, não há citação nenhuma a qualquer nome ou sobrenome Leão entre os primeiros proprietários da região. Em listas documentais de batismo, casamento ou óbito conservados pela Igreja Católica e que tem haver com a nossa região, idem. Alguns casos eventuais somente, mas que não tem relação direta com o personagem descrito. Exemplo: 1816, falecimento de Leão de Tal, filho de Fulano de Tal, na vila de Rio Grande, tendo como causa varicela, contando quatro anos de idade. Difícil também é situar uma espécie de venda ou estalagem num período anterior a 1809 em Capão do Leão. Num período ainda marcado por uma premente violência decorrente das disputas territoriais entre portugueses e espanhóis no sul do Brasil, possuir um comércio em plena praça de guerra parece contraditório. Além disso, sequer a vila de Pelotas existia ainda (surgira em 1812) e o comércio de víveres e abastecimento acontecia em Rio Grande que, graças a seu porto, recebia carregamentos de mercadorias vindas do Rio de Janeiro.  Mas como a história do circo, a história do armazém do seu Leão também não é totalmente sem sentido.
            Primeiramente, uma coisa salutar que acredito que tem que ser feita é o seguinte: impossível o seu Leão ter vivido no Passo das Pedras e ter dado nome ao “Capão do Leão”. Passo das Pedras é um lugar com origem muito diferente, assim como Capão do Leão é outro lugar e também bem antigo. Se houve um seu Leão, ele viveu em Capão do Leão. Pois bem, no ano de 1910, na atual rua Manoel dos Santos Victória, um francês abriu um casa de comércio com pousada para viajantes. Esse francês foi dono de uma boa gleba de terras entre o antigo posto telefônico e a encosta do Cerro do Estado. Seu nome era León Bastide. Os brasileiros logo aportuguesaram seu nome para Leão. Havia até concorridos recreios (forma como chamavam os bailes noturnos na época) em sua pousada. Não consegui identificar até quando funcionou o empreendimento do senhor Bastide, mas sua esposa viveu ainda em Capão do Leão até o início da década de 1970. Conheciam-na como Viúva Bastide. Alguns ex-trabalhadores do Deprc/Cerro do Estado chegaram a conhecê-la e prestar serviços na sua chácara. Logo, suponho que a tal venda do seu Leão tenha sido essa casa comercial e pousada de León Bastide. É o único “Leão” que aparece associado ao Capão do Leão. Todavia, como se percebe esse senhor “Leão” surge em uma época bem posterior a própria Villa do Capão do Leão. Por isso, não pode ser a origem do nome.
            A versão que defendo e que acredito ser a mais coerente é que o Capão do Leão é o “capão do leão”, não africano, mas sul-americano: o leão-baio (Puma concolor). O leão-baio é um felino típico dos pampas, ainda encontrado em nosso estado, também conhecido como puma, onça parda, suçuarana ou cougar. Leão-baio era a forma com que os primeiros portugueses designavam o puma. E na época colonial, era um animal inspirador de cuidados por parte dos primeiros gaúchos, não tanto por aquilo que pudesse fazer ao ser humano, mas por ser um costumeiro agressor de rebanhos. Abundam cartas e documentos no século XVIII, advertindo o risco do ataque de leões-baios e onças-pintadas, no caminho que os tropeiros faziam entre a Vila de Laguna, Santa Catarina, e a Colônia do Sacramento, na foz do Rio da Prata. Tantos outros nomes de lugares no Rio Grande do Sul são originários da presença destes grandes felinos: Jaguarão, Canguçu, Minas do Leão, Boqueirão do Leão, Jaguari, Toca da Tigra (Caçapava do Sul), etc. Devemos lembrar que os primeiros portugueses que se estabeleceram no sul do Brasil, principalmente aqueles que vinham dos Açores, não conheciam nada muito além da fauna europeia e norte-africana. Para eles, tal como o puma era leão-baio, o urubu era corvo, o tamanduá era urso (!), o graxaim era raposa, etc.
            Para concluir, defendo que Capão do Leão é “do leão”, por causa do leão-baio ou puma. Como nossa localidade/município tem aproximadamente 250 anos de ocupação humana não-indígena, talvez a explicação que comprovaria a origem do nome tenha se perdido no tempo ou ainda está guardada em um obscuro arquivo de alguma biblioteca ou museu. Reafirmo, contudo, que o imponente e altivo puma representa a explicação mais lógica para o nome do lugar, pois se encaixa perfeitamente tanto nos acontecimentos históricos, quanto no contexto geográfico e seu ecossistema.