Trecho extraído de: ZERO HORA. Porto Alegre, 30 jan. 2009, p.63
Ainda bem que são raros os leitores que reclamam do colunista de que ele se debruça sobre assuntos sinistros, entre eles a grave crise econômica que saiu pelo mundo a devorar empregos e ameaça chegar até nós.
Se há um espaço de atividade que não pode deixar de se ocupar com as
tragédias é o jornalismo. Até mesmo porque as tragédias são
acontecimentos singulares, elas irrompem no cotidiano e alarmam todos.
Se o jornalismo não for se ocupar de tragédias, irá se ocupar de quê? As notícias boas, os fatos agradáveis, estes são ingredientes de rotina, muitos deles passam até despercebidos.
Enquanto que o desastre é uma forte ruptura da normalidade. Todas as atenções se desviam para ele, tornando-se irrecusável ao jornalismo abordá-lo.
Vejam esta inundação que caiu anteontem e ontem sobre Pelotas, Capão do Leão, Arroio do Padre, Turuçu e São Lourenço.
Uma senhora narrava à Rádio Gaúcha, ontem, que às 20h de anteontem a
água batia à soleira de sua porta, em Turuçu, a Terra da Pimenta. Já
tinha envolvido a calçada e ameaçava penetrar na casa a enchente.
Pois, 10 minutos depois, a água já estava atingindo o pescoço daquela senhora, que teve de fugir às pressas,
deixando o refrigerador, o televisor, o fogão, os colchões, as
cobertas, os móveis todos a boiarem pelas peças. Notem a velocidade
espantosa da água.
Uma tragédia que atingiu milhares de pessoas nos cinco municípios.
Em Capão do Leão, a fúria das águas atingiu a linha férrea, derrubou
um trem de seus trilhos. Ao que constava ontem, o maquinista havia
morrido afogado.
Na ponte sobre o Arroio Fragata, entre Pelotas e Capão do Leão,
segundo narrativa de uma testemunha, três a quatro veículos, entre eles
uma motocicleta, vinham pela estrada e foram acossados furiosamente
pelas águas.
Os motoristas calcularam que se atingissem o vão da ponte se salvariam do outro lado.
Só que do outro lado as águas também fustigavam a estrada e a margem da ponte, ficaram encurralados.
Decidiram dramaticamente os motoristas permanecer homiziados em cima da ponte, esperando por melhor sorte.
Só que, se as águas estavam derrubando as duas margens da ponte,
inevitavelmente elas acabariam também por derrubar a ponte, se ela
estivesse ligada à terra pela estrada.
E tragicamente foi o que aconteceu: a ponte caiu sobre o arroio, levando juntos os passageiros dos veículos.
Até a hora que eu escrevia, ontem, tinham sido recolhidos dois
cadáveres por afogamento, um casal que se refugiara dentro de um carro
sobre a ponte.
A Defesa Civil estava à procura de outros cinco cadáveres, que
estariam também sobre a ponte na hora da queda, inclusive o
motociclista, segundo relato de uma testemunha.
Interrompeu-se completamente a ligação da Zona Sul pela BR-116, Capão
do Leão ficou ilhada, somam-se aos milhares os desalojados, os
desabrigados. Muitos perderam tudo com a inundação.
Como poderia furtar-me, não fosse pelo jornalismo seria pela
compaixão, de voltar minha atenção para o drama grave de tantos
conterrâneos?
Espera-se que a mesma solidariedade que os gaúchos tiveram
recentemente com os catarinenses flagelados se verifique novamente com
envio de alimentos, roupas, colchões, cobertas e outros itens para as
localidades atingidas.
É muito triste e respeitável a dor dos gaúchos atingidos por esta inundação.
Estendamos as mãos a eles nesta hora.