Trabalho muito bem elaborado por Cátia Simone da Silva, publicado no blog Antropologia Social. O texto que se segue retirei do link A transmissão do saber fazer nas pedreiras do bairro Cerro do Estado/Capão do Leão/RS. Traz informações sobre o quotidiano dos trabalhadores, os procedimentos na exploração de pedra e faz uma qualitativa leitura sobre a condição atual dos graniteiros.
A transmissão do saber fazer nas pedreiras do bairro Cerro do Estado/Capão do Leão/RS
Written by admin on agosto 19th, 2012
Por Cátia Simone da Silva
Esse diário de campo fez parte da pesquisa sobre “A transmissão do
saber fazer nas pedreiras do bairro Cerro do Estado”, município de Capão
do Leão, ao Sul do Rio Grande do Sul/Brasil. Aqui encontra-se o segundo
maior bloco de granito do mundo
(capaodoleaohistoriaecultura.blogspot.com.br), sendo a extração mineral
uma das principais fontes de renda, juntamente com o cultivo do arroz e a
pecuária. O resultado da pesquisa foi apresentado na última avaliação
da disciplina de “Família e Parentesco”, ministrado pela Profa. Dra.
Flávia Rieth, no 6º. Semestre do curso de Antropologia da UFPel.
A metodologia empregada foi o uso do “diário de campo”, recursos
audio-visuais (fotografia e filmagens), que constituirão parte de um
“documentário etnográfico” e também: um questionário semi-estruturado
com perguntas a partir dos problemas em questão: “trabalho, gênero…”.
Como nasci e moro no local, sou portanto uma nativa, devo segundo
Magnani (2002) “estranhar o familiar”, e o estranhamento se deu na
medida que ia sendo conduzido as entrevistas, pois foram surgindo
expressões e palavras que eu não conhecia ainda.
A pesquisa tem como foco a categoria trabalho, o qual está imbricado
com a territorialidade, e é uma das principais constituições
identitárias do grupo. Desta forma não poderia deixar de comentar a
etmologia da palavra “trabalho”, conforme Cunha:
“Trabalho tem o sentido de torturar, derivado de tripalium
(instrumento de tortura). Dá idéia inicial de “sofrer” passou-se à idéia
de esforçar-se, lutar, pugnar e, por fim trabalhar; ocupar-se de um
míster, “exercer o seu ofício”. Do latim: Tripalire – entrada no
português, século XIII).” (NOGUEIRA, 2001. P. 38 APUD: cunha, 1987. P.
204).
No primeiro sentido de “torturar”, pode ser percebido aqui nas
atividades, pois os trabalhadores ficam expostos a vários tipos de
acidentes. Existem casos de mutilações dos dedos, perda da visão por
lascas de pedras ou ferro, e acidentes de toda a ordem, inclusive casos
de óbitos. Além das persuações das políticas públicas ambientais,
vulnerabilidade econômica, sendo na maioria dos casos um trabalho
informal. Mas também é visto pelos interlocutores como ocupando-se de
uma atividade, e exercendo a sua profissão.
Pela manhã do dia 19 de junho de 2012 sai como o flâneur 1
de Walter Benjamin, (ROUANET, 1993), sem um horizonte claro para as
minhas caminhadas, deixando a intuição e os acontecimentos à minha volta
me conduzirem no caminho que eu deveria seguir. Saindo nesse dia com
dois problemas a descobrir e mais um terceiro que surgiu durante as
entrevistas.
Minha primeira dúvida é o significado do termo “marroeiro”, porque
num blog sobre “A história do Capão do Leão”, dizia que o termo
graniteiro é utilizado para os que trabalham fora do DEPREC2, pois nessa empresa os trabalhadores no passado e até hoje possuem a denominação de “marroeiro”.
A outra era sobre gênero, gostaria de saber sobre o trabalho das
mulheres nas pedreiras, ou se era feito só por homens, se já teve
mulher, quando, e qual era a participação delas na atividade, além de
auxiliarem em casa e cuidarem dos filhos.
Então, com as sensações do antropological blue fui em direção à casa
da Sra. Maria da Conceição, esposa do Sr. Teodoro Alves Pereira (85
anos), o graniteiro mais velho do município, no caminho encontrei Joel
(marroeiro) e disse que estava fazendo um trabalho para a faculdade e
perguntei se ele poderia me ajudar numa dúvida sobre a profissão de
marroeiro dentro do DEPREC, indaguei sobre qual a diferença que existia
entre marroeiro e graniteiro.
Para ele: “Marroeiro ou graniteiro é a mesma coisa, cortam pedra”. Me
explicou rápido, e quando eu perguntei se poderia anotar e gravar,
simplismente disse-me que o Paulo Antônio me daria uma explicação
melhor, e já pegou o celular e ligou para o colega de serviço explicando
o que eu queria e dizendo “ela já está indo aí”.
Quando cheguei no escritório do DEPREC, o Sr. Paulo Antônio também me
explicou muito rápido e quando perguntei se ele permitia uma gravação,
ele disse, “O Jairo já está chegando e é ele que vai te explicar
melhor”.
O Sr. Jairo Umberto Pereira Costa, é o administrador da
Superintendência do Porto de Rio Grande aqui no bairro, local onde se
deu as entrevistas. Ficou contente quando eu disse que privilegiava as
histórias orais contadas pelos próprios atores envolvidos nas temáticas
de pesquisa: aqui são os graniteiros, suas cônjuges e ou outros.
A partir de uma pergunta com a filmadora desligada, eu conversava com
o Sr. Jairo. Somente após as explicações é que eu gravava a minha
pergunta e a explicação dele. Essa técnica eu descobri na hora, com a
alteridade senti que assim ficava melhor para ele se preparar com a
resposta. Conforme o desenrolar das respostas eu já observava e
preparava outras perguntas que estavam contidas naquela resposta,
solicitando mais detalhes.
Subjetivamente o Sr. Jairo expressava no presente uma memória
coletiva do passado, onde foram narrados dados históricos da empresa
Compagne Française Du Port do Rio Grande do Sul, que chegou e originou o
bairro no início do século XX, e após foi sucedida por uma empresa
americana e duas brasileiras.
Comentou: “Nós temos aqui equipamentos franceses e americanos, essas
empresas trouxeram especialistas em pedra para cá, foram geólogos
alemães, italianos, americanos que contribuiram com o desenvolvimento da
técnica do corte do granito aqui no município, pois antes era feito com
cunha de madeira e depois passaram a usar o ponchote”.
Também narrou fatos da sua vida pessoal e de outros que diziam
respeito sobre a profissão de cortador de pedra. Seu início na profissão
deu-se desde cedo, aprendeu com o pai, e aos 18 anos entrou como
funcionário do DEPREC2, tinha a função de “marroeiro”,
disse-me que todos que cortam pedras são graniteiros e dentro desta
profissão existem várias funções; foguista, marroeiro, cortador de
pedra,… explicou cada uma delas. “A denominação marroeiro, se dá porque
os trabalhadores usavam uma ferramenta chamada “marrão” para bater e
amiudar as pedras”.
Explicou os nomes das ferramentas utilizadas para o corte da pedra: o
ponchote, ponteiro, recaladeira, marrão, maceta…, e suas utilizações,
alguns nomes ainda em francês, herança da empresa francesa de extração
mineral.
Indaguei ao Sr. Jairo sobre como identificam o veio da pedra, ele me respondeu:
_ “O veio da pedra aqui na nossa região é identificado no sentido que nasce o sol, do leste para o oeste teremos o “seda”, em oposto, sentido norte – sul, teremos o “trincante”, e outros…”.
_ “O veio da pedra aqui na nossa região é identificado no sentido que nasce o sol, do leste para o oeste teremos o “seda”, em oposto, sentido norte – sul, teremos o “trincante”, e outros…”.
O Sr. Jairo me forneceu várias informações que eu precisava e
auxiliou-me muito na minha pesquisa, nos despedimos pois já era quase
meio-dia.
À tarde, fui conversar com o casal de vizinhos, a Sra. Maria da
Conceição Pereira, mais conhecida por “Negrinha”e o Sr. Teodoro Alves
Pereira, também conhecido como “Doro”, ele é “o graniteiro mais velho do
município”, com ele busquei a sua história de vida e também
informações a respeito da sua profissão, já que está com 82 anos e
trabalhou até poucos anos atrás.
Ele explicou que iniciou na profissão desde cedo, pois na escola
brigou com uma colega e chamaram o seu pai, que era o maquinista do
trem e funcionário do DEPREC. E disseram: “Pantaleão ou é tú no DEPREC
ou o Teodoro no colégio”. O Sr. Teodoro lembra da decisão que o pai
tomou: “Ah, o meu pai não pensou duas vezes, me falou amanhã tú pega a
panela com comida e vai pro Cerro das Almas trabalhar nas pedreiras”.
“Desde os 13 anos corto pedra, aprendi com três amigos, a gente
aprende a fazer todo o serviço sozinho, eles te riscavam uma pedra, te
diziam e depois não falavam mais e aí o cara tinha que fazer”.
Pensando na relação com gênero conversei com a Sra. Maria da
Conceição e ela comentou que “Além de criar os dez filhos, lavar-roupa e
fazer todo o serviço da casa ainda ajudava o marido na pedreira, criei
os meus filhos com o dinheiro das pedreiras.”
Ela exercia várias funções ao mesmo tempo: “cortava paralelepípedos,
separava montes de pedra de obra, irregular,… ajudava a colocar as
pedras para cima do caminhão… e no serviço da pedreira tinha a ajuda de
todos os filhos mais velhos.”
Ainda sobre as questões de gênero, todos os meus interlocutores
conheceram algumas mulheres que exerceram a profissão, uma chamada Flor,
outra Noemi, Maria da Conceição, suas filhas Tânia e Vera, entre outras
que não sabiam o nome.
Durante as entrevistas na casa do Sr. Teodoro, o seu filho mais velho
Roberto Almeida Pereira me disse: “Vai lá na pedreira, estamos fazendo
um furo”. Fui e encontrei o Roberto e Luiz Fernando da Cruz Joaquim,
mais conhecido por “Luizinho” e vi como eles abrem uma pedreira,
perguntei para o Roberto o que eles estavam fazendo no momento, ele é
marteleteiro e foguista, e me explicou: “estamos furando a pedreira para
detonar”. O furo era feito com uma marreta batendo em cima de uma
broca, depois de terem atingido vários centrímetros de profundidade,
encontraram uma “genda”. Roberto explicou que “Teriam que passar pela
genda e cortar bem, senão estariam ralados…”.
A pedreira era do Luizinho, através da reciprocidade o Roberto está
ajudando-o a fazer o furo no “trincante de plumo”, outro amigo o Silvio
Medeiros estava só olhando. Eles disseram “Uns ajudam os outros, pois
quando precisamos sempre temos com quem contar”.
Após umas 6 horas o furo estava pronto, com uma réqua foi traçado o
trincante, que depois foi perfurado com os ponchotes, essa ferramenta
dá direção ao corte na hora em que a rocha for dinamitada. Explicaram
também que esse processo manual dependendo leva até um dia, e se
pedissem para o patrão furar com o compressor, levaria uns 10 minutos.
No entanto, outros graniteiros me explicaram que mesmo obtendo a
ajuda do patrão, eles dependerão da hora que o patrão poderá ir, e
também se revestirá em uma espécie de compromisso com o patrão, que irá
determinar o que será cortado e o valor que custará.
A dificuldade de possuírem um compressor é o valor, que para eles é muito caro, Luiz Fernando comentou:
“Um usado custa em torno de R$ 5.000.00 à R$ 6.000,00 e a broca uns
R$ 80,00. Na ponta da broca tem uma vídia de diamante que perfura a
rocha, e isso os mais baratos que são feitos com motor de um caminhão
Scania, pois existem outros bem mais caros”.
Também obtive dados pessoais sobre as suas inserções na atividade,
com quem aprenderam, idade que iniciaram… sua função, e assuntos
referentes a atividade em questão.
Após algumas horas de gravações, ainda tinham que fabricar a pólvora
para dinamitar a pedreira, infelizmente não pude permanecer e despedi-me
agradecendo, na hora Luizinho e Roberto disseram “tomara que tú tenha
trazido sorte para nós”, e eu disse que tinha levado sim. Após algumas
horas em casa ouvi o barulho da explosão, e em alguns dias depois
descobri que haviam dado um bom corte.
Notas:
1 – A ideia do flâneur, passeando e vai descrevendo o que vê, a
duração do passado dentro do presente, percorrendo e descrevendo um
lugar dentro das suas temporalidades. Pois os dados não são só
coletados, mas também construídos. Benjamin, vem com a ideia de
bricouleur, onde o flâneur coletando imagens, registrando memórias,
fotografando e produzindo imagens busca uma lógica a esses fragmentos.
2 - DEPREC – Significa: Departamento de Portos Rios e Canais.
Referências bibliográficas:
ROUANET, Sérgio Paulo. A razão nômade. Walter Benjamin e Outros
viajantes. Rio de Janeiro: UFRJ: 1993. Parte 1 – Viajando com Walter
Benjamin. Cap. 1: “Viagem no Espaço: a Cidade” (pp. 21-62).
MAGNANI, José Guilherme Cantor. 2001 “De perto e de dentro: notas
para uma etnografia urbana”. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São
Paulo, ANPOCS/Edusc, vol. 17, no. 49, pp. 11-29. [Disponível tb pportal
do Capes]
Capão do Leão História + Cultura: Historia da pedreira do Cerro do
Estado. Disponível em:
http://capaodoleaohistoriaecultura.blogspot.com.br/2010/05/historia-da-pedreira-do-cerro-do-estado.html
acessado em 19 maio 2011.