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sexta-feira, 17 de junho de 2011

Outras histórias da Segunda Guerra Mundial

Para mim, um dos personagens mais misteriosos da história do Capão do Leão e, provavelmente, um dos mais desconhecidos viveu até a década de 1970 no Corredor da Embrapa (atual Avenida Eliseu Maciel), como uma espécie de "eremita" errante, trabalhando na pecuária, em uma propriedade rural daquele local. Parece que trabalhou nos primóridos do Instituto Agronômico do Sul (AGRISUL). Era estrangeiro, negro e o chamavam de "Negro Guiné" Falava uma língua estranha, tinha uma espécie de religião muito incomum parecida com uma espécie de xamanismo, mas que não se assemelhava aos cultos afro-brasileiros tal qual os conhecemos. Bem, por quê então: "Negro Guiné" (o nome do sujeito para mim é desconhecido até hoje). Diziam que ele vinha da Guiné (seria africano, então), porém afirma-se que sua procedência verdadeira era "Nova Guiné". Pois, a Nova Guiné é um país da Oceania. Seria ele um melanésio? Tudo indica que sim, pois no dizer daqueles que o conheceram chega a ser curiosa a descrição: " era negro, mas não era negro, tinha uma pele diferente do negro, mesmo sendo negro, o cabelo também era diferente, bem como as feições do rosto." O tal "Negro Guiné" seria na verdade um refugiado papuano da II Guerra Mundial que veio para o Brasil (não sei como!) após o fim do conflito. Serviu ao exército australiano, quando os japoneses tentaram invadir a Ilha de Papua na II Guerra. Muito pouco sabe-se a respeito do sujeito. Tinha-se, na verdade, medo dele, pois o viam como "bruxo". Morreu e foi enterrado sem deixar familiares, bens ou memórias para contar. Sobrou apenas a sua enigmática figura.
Na mesma região, há descendentes de japoneses ali estabelecidos já há algum tempo, que durante muitos anos se dedicaram ao cultivo de tomate. Um deles, o mais velho, ao que parece era japonês de fato, tendo lutado na II Guerra Mundial. Pouco se sabe a respeito, apenas registro a informação. Tal como nos casos de brasileiros de Capão do Leão que participaram do conflito, era outro que não gostava de tocar no assunto. Bem se vê que os traumas da guerra são irreversíveis em alguns casos.
Um terceiro que vale a pena registrar, hoje já falecido, porém que trabalhou na Embrapa como engenheiro agrônomo e morou também ali é o lituano André Bertels. Era refugiado de guerra e veio para o Brasil quando, perto do final do conflito, os soviéticos tinham anexado a Lituânia. Ele contava que nadou quilômetros mar adentro, nas águas geladas do Mar Báltico, até chegar na Dinamarca. Sua história é contada numa edição do jornal Diário Popular de 1983. Veio para o Brasil em seguida e aqui casou. Sua casa ainda existe na Avenida Eliseu Maciel. Sylvio Dall'Agnol afirma que André Bertels era "russo ortodoxo" e foi um dos fundadores da Capela Nossa Senhora da Conceição, que hoje faz parte da área do campus da Universidade Federal de Pelotas. Talvez fosse cristão ortodoxo, porém lituano. Não gostava muito de russos, por sinal.
Um quarto refugiado da II Guerra Mundial a que temos conhecimento no Capão do Leão é de outro misterioso personagem, profundamente traumatizado e complexado com o conflito, que teria trabalhado nas pedreiras na década de 1950. Era alemão e teria servido no Exército que ocupou a Polônia em 1939. Até hoje procuro a indicação da casa dele, mas diz-se que construi um verdadeiro bunker, com paredes de tijolo maciço duplo, janelas pequenas que imitam venezianas de ferro, sem portas frontais ou laterais e um dono de um temperamentoextremamente reservado. Não ficou muito tempo aqui, mas parece que nos legou como patrimônio a tal casa, que uns dizem existir no Teodósio.
Para finalizar, existe em Pelotas (não sei se ainda está vivo!), um teuto-brasileiro que combateu na II Guerra pela causa nazista, morador do bairro Três Vendas. Conheci-o pessoalmente e fiz amizade com aquele senhor, já de idade. Frequentava a Comunidade Luterana São João, próximo à Avenida Bento Gonçalves. Nunca demonstrou qualquer espécie de antissemitismo, porém era profundamente nacionalista, sempre puxando assunto sobre a Alemanha e citando o Führer. Certa feita, ele mostrou o quarto dele e sua coleção particular de objetos do Partido Nacional-Socialista. Jornais, postais, souvenirs, revistas, livros, entre outras coisas. Só posso dizer que não via nele um racista, pois tinha um comportamento social irrepreensível. A amizade não permite citá-lo, todavia a única coisa que posso dizer é que todos seus filhos e netos tem nomes marcadamente germânicos.
Entrementes, finalizando, não há de se admirar a presença de ex-soldados ou simpatizantes do Partido Nazi no Rio Grande do Sul. A expressiva presença da etnia teuta, possibiliou-lhes que se imiscuíssem sem problemas de adaptação em nossa sociedade. Estamos em pleno ano de 2011 e e possível observar, no ônibus que sai em direção à zona colonial de Pelotas, animadas conversas em dialeto pomerano.