“Mina” mal explorada
A metade sul tem verdadeira “mina” que precisa ser melhor explorada: “ o Pêssego em Calda”. Poucas regiões de Brasil possuem este potencial. Comparativamente com outros produtos, como o arroz, a carne, o leite, a maçã e o vinho, que superaram as necessidades de consumo interno e que encontram concorrência em muitos pontos do país e do exterior, o pêssego em calda tem seu consumo reprimido, a produção é aquém do potencial de consumo e a única concorrência é entre as industrias locais.
A região de Pelotas, Morro Redondo e Capão do Leão é pólo industrial que tem o pêssego em calda como produto principal e produz 98% de todo o produto nacional.
Nos últimos 30 anos, o volume industrializado tem sido em torno de 40 milhões de latas, com um consumo “per capita” próximo de 0,3 de lata/habitante/ano. Nesse período, a população brasileira que era de 90 milhões em 1970 passou para cerca de 180 milhões – ou seja, dobrou.
Em 1980 existiam na região 52 indústrias, hoje são 11 que elaboram volumes significativos. Essa realidade nos leva a algumas reflexões: Por que não se consome pêssego em calda como na década de 70, aproximadamente meia lata/habitante/ano?
A qualidade da conserva continua boa?O poder aquisitivo do povo possibilita adquirir “uma” lata/habitante/ano?O que mudou?
A seguir alguns pareceres:
Recente sondagem de mercado nas principais capitais do país sobre o pêssego em calda revela que tal produto não tem restrições, ou seja, não foi encontrado alguém que dissesse que “não gosta de pêssego em calda”. Quando se perguntou porque não comprava o produto a resposta imediata foi a falta de lembrança para tanto. Portanto é um produto sem restrições, mas esquecido. Falta campanha profissional e eficiente de marketing. Não existe e nunca houve um apelo institucional para lembrar o consumidor de incluir o produto na lista de compras. O setor tem interesse em aumentar o consumo?
A análise de amostras do produto disponível no mercado (pesquisa realizada pela UFPel/Embrapa) revelou que o produto atualmente elaborado é de qualidade inferior ao de 10 anos atrás, com honrosas exceções. Como não há concorrência externa (nacional ou internacional) o pequeno número de indústrias, 11, para poder industrializar 40 milhões de latas se preocupa mais com a quantidade e menos com a qualidade. Na maioria dos casos como o volume é grande e a qualidade nem sempre satisfaz, o produto é comercializado por um preço abaixo do custo de produção, considerando o preço justo que deveria ser pago pela matéria prima. Isso é possível pois o produtor entrega o pêssego e só vai saber o “preço final”, na maioria das vezes, depois da safra e com os cortes (desclassificações) muito acima do real. Em muitos casos não recebe no prazo estabelecido ou simplesmente não é pago (existem produtores que ainda não receberam o pagamento de safras anteriores).
Como o pêssego é o único item da composição de preço da conserva sujeito à alteração, tendo em vista que a lata, o açúcar, a energia elétrica, os salários, entre outros, não podem ser modificados, o produtor recebe a diferença entre o custo industrial (incluindo o lucro da indústria e os impostos,) e o valor de venda. Na safra atual, os preços propostos pelo Sindicato das Indústrias de Doces e Conservas de Pelotas, de R$ 0,50 para o tipo I e de R$ 0,35 para o tipo II, são inferiores aos pagos em 2002. Existe indústria pagando preço abaixo do estabelecido pelo Sindocopel, ou seja, R$ 0,30 pelo pêssego I e II, misturados. Os produtores não aceitam tais valores e esperam receber o preço da safra passada (R$ 0,80 pelo tipo I e R$ 0,60 pelo tipo II) mesmo sem correção, embora o custo de produção (diesel, salários, produtos químicos) tenha aumentado significativamente.
Se a conserva fosse comercializada a preços de R$ 2,20 (para os intermediários) seria possível pagar o valor da última safra para a matéria prima, mas, como existe uma “concorrência predatória” entre as indústrias locais, os preços da lata de compota caíram para patamares próximos a R$ 1,60. E quem paga a conta é o produtor, não recebendo o preço justo pela sua fruta.
Saliente-se que o consumidor não paga menos com os preços baixos de venda aos revendedores (supermercados), o que seria positivo para estimular o consumo. Na verdade os supermercados ganham mais, as indústrias continuam ganhando e os produtores perderam todo o tempo e esforços de um ano inteiro quando recebem um preço pela matéria prima que não cobre nem suas despesas.
O poder aquisitivo do brasileiro é pequeno mas não justifica que a grande maioria não possa comprar “uma” lata de compota de pêssego por ano. O consumidor, lembrado de incluir a lata na lista de compras, poderá substituir “pelo menos” uma vez no ano uma garrafa de refrigerante ou de cerveja, uma carteira de cigarros ou qualquer outro item pela compota.
Com freqüência ouve-se em reuniões do setor que existe um desequilíbrio entre o que se plantou de pessegueiros e o que se produz de pêssegos e o que se consegue vender (sem marketing), sugerindo-se que se deva parar de plantar e até mesmo arrancar pomares. Somos totalmente contrários a este ponto de vista. O correto é fazer um esforço concentrado e aumentar o consumo para meia lata de pêssego em calda por habitante ao ano em médio prazo. Alcançar 90 milhões de latas exige ainda plantio de novos pomares e instalação de novas fábricas, o que resultará em enorme geração de empregos no campo e na cidade, com reflexos na circulação da moeda, no comércio e na auto-estima da região.
Trata-se, portanto, de um produto que não tem rejeição e que está adormecido. Deve-se investir em estratégias de marketing. Se o governo do estado concedeu redução do ICMS às indústrias locais, nada mais justo que parte destes benefícios sejam aplicados com esta finalidade, e não para o repasse de lucro aos supermercados, como está ocorrendo.
Para aumentar o consumo, os produtores estão dispostos a contribuir com parcela do valor da matéria prima entregue. Se as indústrias adotarem o mesmo procedimento, pode-se atingir tal objetivo.
Calcula-se que, se fosse arrecadado quatro centavos por lata (dois centavos dos produtores e dois das indústrias), seria possível reunir cerca de 1,5 milhões de reais. Se a este montante fossem acrescentados os benefícios de redução do ICMS, este número poderia ser mais que triplicado.
Lembre-se que marketing só é possível para produtos de qualidade e padronizados (com selo de qualidade e origem). Um produto de má qualidade vendido por preço baixo (para poder vender) é duplamente prejudicial: primeiro, faz baixar o preço do produto de qualidade e segundo, ao decepcionar o consumidor este não voltará a comprar.
O que mudou? Perdeu-se o enfoque de qualidade para o da quantidade que é vendida a preço baixo ao supermercado, sem vantagens ao consumidor e prejuízos ao produtor.
A falta de organização do Setor Conserveiro causa uma concorrência predatória entre as 11 indústrias. Conserva de má qualidade a preço baixo se reflete em preço baixo pago ao produtor, que não poderá ofertar matéria prima de qualidade. Matéria prima de má qualidade não possibilita conserva de boa qualidade. Má qualidade da conserva decepciona o consumidor.
Muitas das marcas disponíveis atualmente nos supermercados não fazem sequer referência à padronização anteriormente adotada (extra, especial, primeira). Simplesmente se referem a metades em calda, ou seja, houve regressão.
Como explorar melhor esta “mina”? O primeiro passo é a elaboração de um produto de qualidade que satisfaça o consumidor. Depois, como é um produto sem restrições e apenas não lembrado, uma campanha de marketing institucional a nível nacional aumentará o consumo. Outro ponto é o fortalecimento das indústrias locais, que estiverem em dificuldades ou necessitarem de melhorias na tecnologia, através da disponibilidade de recursos a custos compatíveis. A atração de novas indústrias é outro meio, pois as existentes não têm condições de absorver toda a matéria prima ofertada e produzir a qualidade necessária. Deve-se ainda estabelecer uma política de preços para a matéria prima (padronização, prazo de pagamento) e para o produto processado.
Os produtores de pêssego têm orgulho da sua atividade e acreditam que se o setor se organizar, produzir qualidade com política de preços justos (para a matéria prima e produto industrializado) poderá evoluir e atingir a marca de 90 milhões de latas a médio prazo.
Espera-se que todos os elos da Cadeia Agroindustrial mudem sua postura para um enfoque desenvolvimentista voltado mais para o social, com geração de emprego e renda, e não apenas para o enriquecimento individual.
Está finalizando mais uma safra sem acordo de preço e sem prazo para pagamento. É isso que se denomina Arranjo Produtivo Local – APL – Conserva? Os persicultores esperam que 2005 e os próximos anos sejam melhores que 2004 e acreditam que pode-se chegar à produção e comercialização de 90 milhões de latas ( e até mais). O pré-requisito é querer.
Nelson Luiz Finardi
Engenheiro Agrônomo e Produtor de Pêssego