A Lenda do Baú das Moedas de Ouro
Em 1947, o eminente professor Carlos Maldonado Fuentes iniciou uma pesquisa sobre as famílias tradicionais de Bagé, sua terra natal. Para tanto, entrou em contato com várias personalidades locais, sobretudo, em busca de informações genealógicas. Foi então, que conheceu o Dr. Eriberto Contreiras – respeitado médico da cidade e igualmente membro de um importante clã. O Dr. Contreiras auxiliou o Prof. Fuentes como podia, mas disse-lhe que talvez fosse de mais proveito às pesquisas um diário que pertencera a sua irmã Dorothéia – mocinha muito estimada por ele e que morreu apenas com 22 anos. Segundo o médico, Dorothéia tinha por hábito registrar no diário “histórias e coisas de outrora” da própria família e de amigos que freqüentavam a casa. Com as mãos no calhamaço íntimo, o Prof. Fuentes percebeu o valor daquelas páginas, pois pode acrescentar a seu trabalho muitos dados preciosos. Entretanto, uma narrativa no Diário de Dorothéia chamou-lhe muita a atenção: a Lenda do Baú das Moedas de Ouro. Conforme o que leu, Dorothéia teria sabido da história numa visita que fez a uns amigos de sua família no Capão do Leão em 1921 (três anos antes de falecer). Nos registros havia a descrição de um “um baú repleto de moedas de ouro enterrado num cerro cheio de pedras, entre as Almas e a Boena (sic), onde os tropeiros cruzavam com o gado”. O particular da narrativa era a riqueza de alguns detalhes.
Segundo o diário, um certo Capitão Santanna, combatente na Guerra do Paraguay, teria desertado dos campos de batalha e passado a agir como bandoleiro no norte da Argentina, tendo como comparsas outros desertores brasileiros. Após cometer os mais diversos tipos de crimes naquela região (e consta que não foram poucos), Santanna e seu bando teriam fugido para o Brasil, já depois do fim da guerra. Sem antes, porém, terem roubado um grande baú com moedas de ouro de um banco local. O que queriam voltando ao Brasil era rumar ao Rio de Janeiro – de onde, ao que parece, era procedente o Capitão Santanna – e puderem gozar os lucros do tal tesouro. Preferiu, então, o bando atingir Rio Grande e daí tomar viagem até a Capital do Império. Contudo, maltrapilho e violento, o bando do Capitão Santanna aprontou poucas e boas pelo interior do Rio Grande do Sul, atacando estâncias e pondo em vigília as autoridades. Ao aproximarem-se de Pelotas, os bandoleiros resolveram permanecer durante algum tempo escondidos, pois já sabiam que havia patrulhas em sua caçada. De acordo com o testemunho de Dorothéia “o bando acomodou-se na banda da Capela da Boena do Capão do Leão”. Resolveram, pois, enterrar o baú num cerro próximo, até que a situação se tornasse mais amena. Todavia, parece que a ambição dividiu o bando, pois alguns, liderados por um tal de Plotino, desconfiavam das intenções de Santanna quanto ao ouro. Após se trucidarem uns e outros, sobraram somente três do grupo: o próprio Santanna, seu adversário Plotino e um mulato forro de nome Antônio. Santanna acabou degolado por Plotino que “dependurou sua cabeça e genitálias a vista dos passantes à beira de uma estrada”. Plotino foi morto pela polícia quando, junto com Antônio, atacavam as reses de uma propriedade. O mulato foi preso e interrogado em Pelotas, porém não disse tudo o que sabia, nem o paradeiro do baú, pois na cadeia contraíra cólera morbus e falecera em menos de uma semana. A partir de então, vários anos depois muitas pessoas buscaram desenterrar o baú na região, sem sucesso algum.
Este foi o relato colhido por Dorothéia Contreiras quando de sua visita ao Capão do Leão.
Intrigado, Fuentes foi até à Pelotas na época em busca de mais informações. Entre relatos confusos e contraditórios, todavia ele encontrou um documento que parecia indicar a autenticidade da história de Dorothéia: um relatório da polícia local, datado de 1874, que citava “a malta do Santanna e uma carga roubada na banda da Freguesia da Consolação da Boena”. Nos achados do professor, constavam várias patrulhas em busca da tal carga que, em nenhum momento, entretanto, é identificada com um baú de moedas de ouro. Envolto em suas atividades profissionais em Bagé, o Prof. Fuentes acabou deixando de lado a história, pois julgou que, mesmo tendo algum fundo de verdade, o relato de Dorothéia poderia conter alguns elementos exagerados e/ou fantasiosos.
Foi então que, muito tempo depois, na década de 80, o Prof. Fuentes conheceu o jovem historiador uruguaio Fernando Barrientes. Mestrando pela Universidade de Montevidéu, Barrientes esteve na cidade de Bagé a fim de levantar dados e informações sobre bandos e bandoleiros na região da fronteira no século XIX – tema de sua dissertação. Nos primeiros encontros, Fuentes sequer se lembrou da história do baú das moedas de ouro e do diário de Dorothéia Contreiras. Só que em dado momento das conversas, Barrientes comentou sem maiores pretensões a respeito de certo “Capitán Santanna” que teria feito horrores no norte da Argentina na época de “La guerra de La Tríplice contra Solano” (evidentemente: A Guerra do Paraguay). O uruguaio seguiu sua narrativa e complementou dizendo que o tal “capitán” teria realizado um grande roubo monetário, muito provavelmente em ouro, na cidade de San Filippo, na Província de Entre-Ríos. Imediatamente, Fuentes lembrou-se do diário de Dorothéia e da história do baú das moedas de ouro, comunicando o que sabia a Barrientes.
O mais inesperado de tudo é que tanto o que Fuentes sabia quanto o que Barrientes pesquisara se encaixavam com muita facilidade e clareza. O uruguaio interessou-se deveras pelo assunto e esteve na região de Pelotas em 1988, fazendo pesquisa na Biblioteca Pública e percorrendo a zona rural de Capão do Leão e Morro Redondo atrás de pistas. Contudo, conforme sua conclusão se o tal baú com as moedas de ouro existe é difícil precisar sua localização, pois o único testemunho refere-se a uma região muito vasta (entre as Almas e a Buena – segundo o diário de Dorothéia). Encontrou também inúmeras lendas e historietas a respeito de ouro enterrado, o que multiplica as possibilidades geográficas do mítico local do baú.
Porém, um consolo a todos aqueles que procuram, procuraram ou pretendem procurar um tesouro por estas bandas é que: de fato existe algo enterrado em algum destes morros da Serra dos Tapes. Se for ouro, porém não se sabe.
Agradecimentos:
Prof. Fernando Barrientes, Montevidéu, Uruguay
Ricardo Silva Benítez, Pós-Graduado em Literatura pela Universidade de Montevidéu