Trecho extraído da revista acadêmica História em Revista, do Núcleo de Documentação Histórica da Universidade Federal de Pelotas, número 02, ano 1996. Fornece algumas informações sobre o assentamento agrícola da Palma. Os autores: Beatriz Ana Loner, Lorena Almeida Gill, Paulo Mattos, César Reis Gomes e Rodrigo Dias. O artigo é o seguinte:
O Assentamento da Palma:
a individualização do coletivo
"Esse artigo é resultado de um projeto de pesquisa desenvolvido durante 1993 e 1994, junto aos colonos assentados na Fazenda da Palma, propriedade da UFPel, no município de Capão do Leão, RS." (pág. 65)
"Normalmente, as ocupações são realizadas em terras de particulares consideradas improdutivas pelo movimento. Entretanto, para o final da década de 80, começam a invadir também terras da União, numa tentativa de pressionar mais diretamente a Administração Federal e cobrar soluções para o problema da Reforma Agrária. É dentro desta perspectiva que se colocam as duas invasões sofridas pelo Centro Agropecuário da Palma (Fazenda da Palma), estação agro-experimental pertencente a Universidade Federal de Pelotas e situada no Município de Capão do Leão, utilizada para fins de ensino e pesquisa da UFPel.
A primeira invasão ocorreu em 23 de novembro de 1987, quando grupos de colonos, vindos da Fazenda Anonni, instalam-se no local. O significado político da invasão era evidente: dar uma resposta à UDR, que sempre reclamava pelo fato dos colonos só invadirem propriedades particulares; pressionar o governo federal, para que este agilizasse a solução para os problemas da terra, além de tentar formas de colaboração entre colonos e instituições ligadas ao poder federal, daí o motivo da invasão de uma Fazenda Experimental. A proposta dos colonos era serem assentados, em parte das áreas da fazenda e desenvolverem um projeto agrícola conjunto com professores e pesquisadores da UFPel. Entretanto, apesar do apoio de vários setores, dentro e fora da universidade, os colonos tiveram que lutar contra a posição da Reitoria e do Governo, contrários ao assentamento, além de fortes correntes na cidade de Pelotas e regiões vizinhas que viam no acampamento o perigo de transferir-se para a Zona Sul as conturbações ocorridas em outras regiões do Estado pela atuação do MST. Derrotados nos Conselhos Superiores da UFPel, os colonos perderam a possibilidade do assentamento, tendo que se retirar do local em maio de 1988.
A segunda invasão deu-se em 12 de março de 1993, por um grupo de famílias vindas de acampamento na Fazenda Santa Marta, em Bagé. Fazia parte de uma estratégia responsável pela invasão, no mesmo dia de outras duas áreas de terra no Estado. Tal ação justificava-se no fato de que naquele dia, o presidente da República estaria no Estado abrindo a colheita do arroz e assim, estes acontecimentos teriam ampla repercussão nacional, fazendo parte da estratégia de pressão sobre a União para que esta efetivasse suas promessas de redistribuição de terras. Esta segunda invasão novamente dividiu opiniões na universidade e na região. Entretanto, desta vez contou com uma conjuntura mais propícia internamente, devido a Reitoria, sob a direção do Dr. Amilcar Gigante, ter assumido uma posição favorável à projetos conjuntos com colonos sem terra. Também a direção do INCRA se posicionou favoravelmente ao projeto de assentamento apresentado pelos colonos com a colaboração de setores ligados à universidade. Desta forma, o projeto foi aprovado pelos órgãos superiores da UFPel, ficando destinado uma área de quase 500 hectares da Fazenda para sua implantação, onde os colonos, distribuídos em 26 famílias (perto de 90 pessoas) devem desenvolver trabalhos de agricultura e pecuária, sob assessoria de técnicos e professores ligados à instituição, com a colaboração do INCRA e outros órgãos do governo quanto ao financiamento. A propriedade da terra continua sendo da universidade, tendo os colonos direito a sua utilização em regime de comodato durante 15 anos." (pág.68-70)
"Logo que começamos as entrevistas na Palma, uma das questões que nos chamava a atenção foi justamente a expectativa que tinham os assentados no processo de coletivização não só vinculado a esfera da produção, quanto da reprodução. Pensava-se em uma vida praticamente conjunta, como se o assentamento pudesse se constituir em um 'embrião' daquela sociedade igualitária, justa e fraterna, que a esquerda preconizava." (pág. 72)
"Em entrevistas iniciais, sentimos que esta mentalidade impregnava de tal forma as idéias dos colonos que, por exemplo, alguns entrevistados afirmaram que até as galinhas que criavam como sua propriedade individual, junto às casas, seriam colocadas no galinheiro coletivo, tão logo este estivesse pronto. Entretanto, hoje em dia, com o galinheiro já pronto e o criadouro de porcos também em funcionamento, continuamos a ver muitas destas pequenas criações no acampamento que persistem como propriedade individual." (pág. 73)
"O assentamento tem uma estrutura deliberativa formada por todos os colonos, com decisões tiradas em assembléia. Nestas, tem direito à voto os maiores de 16 anos. Além disso, tem uma direção, eleita por um ano, com direito à reeleição." (pág. 76)
"Contudo, aquela grande expectativa inicial do trabalho conjunto, levou-os apresentar, nos primeiros tempos, uma atitude de certa passividade, de paciente espera frente a resolução de alguns problemas. O exemplo da habitação é o mais ilustrativo, na medida em que passaram-se 2 anos até que resolvessem eles próprios construir as casas, mas aí ainda podemos acreditar que confiavam na palavra de autoridades que garantiram o financiamento do projeto. Mas que dizer de problemas menores, como a questão da assistência médica no acampamento? Algumas mulheres engravidaram enquanto esperavam que os anticoncepcionais fossem trazidos ao acampamento, mas poderiam tê-los conseguidos em postos médicos da região." (pág. 81)